*Nº 0434 - PÓS - GUERRA SONÍFERA - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
Ele vivia num lugar onde os desejos eram punidos pela fumaça densa que cobria o céu, sufocando sonhos e esperanças. Sua perseverança, no entanto, era como a de um animal rastejante, que busca obstinadamente por um pedaço de verde para se alimentar em meio à desolação. Não se deixava seduzir pelas invenções humanas que intoxicavam corpo e mente. Preferia os sentimentos simples e silenciosos, aqueles que surgiam no profundo silêncio da noite, como um sussurro de conforto.
Não esperava abraços ou beijos. Sabia que as pessoas estavam ocupadas demais com suas máquinas barulhentas e suas rotinas frenéticas. A luz do dia, longe de lhe trazer esperança, apenas revelava a sujeira que se espalhava por toda parte, como uma praga inescapável. Sua resistência era seu abrigo, um casulo de introspecção e proteção. Não necessitava de telefonemas ou memórias dolorosas; bastava-lhe sua rica imaginação, que criava mundos vibrantes, repletos de cascatas de luzes inacabadas.
A intimidade era sua dor e sua bênção. Ele sofria por ter uma sensibilidade que o isolava dos outros, mas essa mesma sensibilidade alimentava seus devaneios, como os de uma criança que sonha com um mundo mais belo e puro. Não compreendia as brigas, as palavras duras e a violência que os homens trocavam entre si. Sua aspiração era simples: contemplar a lua e as estrelas, que ainda brilhavam no firmamento, intocadas pela poluição da vida moderna.
Desprezava os pecados do corpo e do dinheiro. Seu desejo mais profundo era sentir o calor da terra sob seus pés e o frescor da água em suas mãos. Era um fragmento daquilo que os homens haviam perdido em sua busca insaciável por poder e riqueza — um pedaço de natureza que resistia teimosamente à poluição, um sopro de vida que desafiava a morte iminente. Era um poeta que escrevia com as pequenas e esquecidas coisas da vida, um ser humano que ainda sabia amar genuinamente.
Cansado do mundo que o rodeava, fugiu para uma ilha, um refúgio isolado onde pudesse encontrar paz e recomeçar. Ali, longe da civilização, iniciou sua nova meta de vida: aprender a reviver. Em meio à natureza intocada, ele redescobriu a pureza dos sentimentos e a simplicidade da existência. Plantou novas sementes de esperança, regadas com a água fresca da renovação e aquecidas pelo sol do renascimento.
A intimidade com a natureza e consigo mesmo salvou o mais puro dos homens. Ele se tornou o guardião dos desejos esquecidos, uma alma que, mesmo em meio ao caos, encontrou a serenidade e a beleza nas coisas mais simples. E assim, na solidão da ilha, viveu plenamente, redescobrindo a essência do amor e da vida. Mas ele não estava sozinho.
— Neste exato momento, centenas de outros homens vão chegando...
— Com o mesmo propósito.
Homens e mulheres, vindos de diferentes partes do mundo, cruzaram oceanos e montanhas para encontrar esse lugar. Cada um carregava consigo cicatrizes profundas, histórias de perdas e desesperanças, mas também o mesmo anseio por algo maior: um retorno ao que realmente importa. Juntos, começaram a construir uma comunidade diferente, baseada na harmonia com a terra, na partilha de valores verdadeiros e no respeito mútuo.
Naquela ilha, eles aprenderam a plantar não apenas árvores, mas também ideias. Aprendiam uns com os outros a cuidar da terra e das almas, compartilhando conhecimentos antigos e renovando-os com a sabedoria adquirida em suas jornadas. Cada novo rosto que chegava trazia consigo um pedaço de um mundo melhor, uma promessa de renovação.
E assim, aquela ilha, outrora esquecida e selvagem, transformou-se em um santuário vivo. Um lugar onde o tempo parecia parar, onde o som das ondas e o canto dos pássaros substituíram o ruído incessante das máquinas. Onde o toque da brisa e o calor do sol lembravam a todos o que significa viver plenamente.
O homem que chegou primeiro sorriu ao ver tantas almas unidas pelo mesmo ideal. Ele percebeu que sua busca não fora em vão. Encontrara não apenas a si mesmo, mas também uma família de espíritos afins. E enquanto observava o horizonte ao entardecer, sentiu que finalmente havia encontrado o lar que sempre procurara.
Nesse lugar, ninguém precisava mais temer a fumaça que sufocava os sonhos. Lá, sob o céu estrelado, eles aprenderam que a verdadeira liberdade está em viver em harmonia — com a natureza, com os outros e consigo mesmo.
- Jornal Primolius!
FIM
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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0434

