*Nº 0285 - A MUCURA - CACHORRO - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA
Era uma vez Sirlus, uma mucura-cachorro que vivia em um manguezal exuberante. Ali, ela brincava com caranguejos, dançava entre as ostras e nadava ao lado dos peixes, sentindo-se plena naquele santuário de vida e cores. No entanto, um dia, algo mudou. O mangue começou a definhar. A água estava turva e poluída, os animais desapareciam ou adoeciam, e as plantas murchavam como se perdessem a vontade de viver. Até as orquídeas pareciam tristes, suas pétalas pendendo como lágrimas silenciosas.
Preocupada, Sirlus perguntou aos seus amigos o que estava acontecendo. Eles explicaram que os humanos eram os culpados. Jogavam lixo no mangue, cortavam árvores sem piedade, pescavam além do necessário, derramavam óleo das embarcações e enchiam o ar com o barulho incessante de suas vilas. "Os humanos só pensam em si mesmos", disseram. "Eles não veem o mal que causam." Sirlus ficou arrasada. Como alguém podia ser tão cruel com algo tão belo?
Decidida a salvar seu lar, Sirlus pegou uma mochila feita de folhas de tucumanzeiro e encheu-a com itens que achava poderosos: um pedaço de cerâmica, uma concha, uma pena, uma semente e um caco de vidro. Despediu-se de seus amigos e partiu em busca da cura para o mangue.
A jornada foi longa e cheia de provações. Ela viu paisagens devastadas: florestas reduzidas a cinzas, rios transformados em esgotos, animais mortos e pessoas sofrendo. Em alguns momentos, o medo e a raiva quase a fizeram desistir. Mas, ao lembrar do mangue e de seus amigos, ela encontrou forças para continuar. Finalmente, chegou a um lugar diferente de tudo o que já tinha visto: um refúgio de luz e paz, onde humanos e natureza viviam em harmonia.
Ali, conheceu Viluetes Prefius, um velho sábio que morava em uma cabana de bambu. Ele era um poeta que transformava o simples em extraordinário, sempre com um sorriso gentil e olhos cheios de sabedoria. Ao ouvir a história de Sirlus, ele acenou com compreensão e disse: "Eu sei o que você precisa."
O sábio pegou o caco de vidro da mochila de Sirlus e explicou que ele simbolizava o dano causado pelos humanos. Então, ele propôs algo inesperado: transformar aquele fragmento destrutivo em algo novo e belo. Com cuidado, ele esculpiu um buraco em uma pedra redonda e lisa, encaixando o caco de vidro no centro. Pediu para Sirlus olhar pelo buraco.
Ao fazê-lo, ela viu seu mangue como era antes: limpo, verdejante, vibrante, cheio de vida e cores. Seus amigos estavam felizes e saudáveis, e o lugar parecia respirar alegria. Maravilhada, Sirlus perguntou como aquilo era possível. Viluetes sorriu e respondeu: "Usei minha imaginação e meu amor pela natureza. Essa é a cura para o mangue: imaginação e amor."
Ele explicou que Sirlus deveria levar a pedra de volta ao mangue e mostrar aos seus amigos. Eles precisavam olhar pelo buraco, imaginar o mangue como deveria ser, sentir amor pelo lugar e por todos os seres que ali viviam. Precisavam cuidar do mangue, protegê-lo e ensinar aos humanos a valorizar sua beleza e importância.
"Se fizerem isso," disse o sábio, "o mangue irá se curar. A natureza é forte e sabe regenerar-se quando tratada com respeito." Ele elogiou Sirlus por sua coragem e determinação, reconhecendo-a como uma heroína por sua incrível jornada. Com um abraço caloroso, entregou-lhe a pedra, dizendo: "Vá com esperança e fé."
De volta ao mangue, Sirlus seguiu as instruções do sábio. Mostrou a pedra aos amigos, que olharam pelo buraco e viram o mangue como ele poderia ser novamente. Inspirados, eles começaram a agir: limparam a água, plantaram novas mudas, protegeram os animais e ensinaram aos humanos a importância do mangue. Gradualmente, o lugar começou a renascer. A água clareou, os animais retornaram, as plantas cresceram vigorosas e as orquídeas voltaram a florescer.
Sirlus guardou a pedra como um tesouro, sempre olhando pelo buraco para ver seu mangue em paz e harmonia. Sorria ao lembrar das palavras do velho poeta, cuja sabedoria e imaginação haviam iluminado seu caminho. Pensava nele como um homem raro e bom, capaz de fazer poesia com as coisas mais simples.
E assim, Primolius narrou mais uma historinha, deixando no ar a mensagem de que, com imaginação, amor e ação, até os lugares mais feridos podem encontrar cura e renovação.
FIM
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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0285


