* Nº 0423 - TEMPO E ÁGUAS DA VIDA - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
A relação dele com o mar era algo que transcendia as palavras. Não havia quem não soubesse da paixão avassaladora que ele nutria por aquele imenso manto azul, sempre em movimento, como se respirasse junto com o mundo. Desde a infância, ele ficava extasiado diante daquela vastidão líquida, que parecia não ter fim. O mar enchia seus olhos de admiração e sua alma de um encantamento quase místico. Ele adorava sentir o vento salgado acariciando seu rosto, bagunçando seus cabelos e trazendo consigo o cheiro característico do oceano. Mergulhava nas ondas com a leveza de quem pertence à água, nadando ao lado dos peixes, como se fosse um deles. No mar, ele encontrava liberdade e felicidade puras, uma sensação inigualável.
No entanto, ele também conhecia os segredos sombrios do mar, suas faces menos amenas. Testemunhou tempestades que rugiam como feras enfurecidas, engolindo embarcações e vidas sem piedade. Sentiu na pele o pavor de estar à mercê de uma força tão colossal e indomável, maior do que muitas outras manifestações da natureza. Essa dualidade — o mar como fonte de beleza e inspiração, mas também de perigo e mistério — moldou profundamente sua visão de mundo.
Ao crescer, ele transformou essa conexão visceral com o mar em arte. Tornou-se escritor, rabiscando páginas e mais páginas sobre aquele universo fascinante. Suas histórias eram permeadas pelos enredos do mar, seus segredos, seus tesouros escondidos e suas lições silenciosas. Ele queria compartilhar com o mundo o que sentia: o mar como um manancial infinito de inspiração, formosura, desafio e risco. Era impossível para ele dissociar sua própria existência daquele elemento tão poderoso e enigmático.
Por mais que escrevesse, no entanto, ele nunca conseguiu se afastar completamente do mar. Sempre retornava à praia onde passara sua meninice, como quem visita um velho amigo. Ali, sentava-se na areia macia, observando as ondas dançarem ao ritmo do tempo. Parecia conversar com o mar, trocar sorrisos invisíveis, relembrar memórias antigas. Havia ali uma cumplicidade profunda, quase inexplicável. O mar era, para ele, tanto um mestre quanto um mistério. Aquele imenso espelho líquido lhe ensinara muito sobre a vida e sobre si mesmo, revelando-lhe verdades que iam além do que sua mente podia conceber.
Desde menino, ele sabia que o mar era especial. Sua vastidão o fazia sonhar, refletir e questionar. E, mesmo depois de tantos anos, ele continuava a admirá-lo, como se cada onda trouxesse uma nova história, um novo aprendizado. O mar era, para ele, muito mais do que água e sal: era um símbolo vivo de tudo o que há de belo, complexo e insondável neste mundo.
Ele: O vento!
FIM
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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0423

