* Nº 0099 - LAMPARINAS - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA

 


Não há momento mais propício para ouvir histórias do que às sete da noite, quando as rodas de conversa se formam nas portas das casas. É nesse instante que os velhos compartilham suas memórias, com aquela arte peculiar de narrar que lhes é tão característica. Para eles, o tempo é uma ilusão; vivem no passado e nele revivem festas animadas, assombrações misteriosas, namoros proibidos, feiticeiras enigmáticas e pescarias inesquecíveis. São os herdeiros das fogueiras extintas que um dia iluminaram as noites de outrora. Agora, quem assume esse papel são as lamparinas, brilhando na cumieira, na janela ou na prateleira, emprestando um tom poético a cada palavra dita.

Elas alumiavam toda a sala e o corredor, onde se viam os rostos atentos dos moços e dos velhos, capturados por cada palavra, gesto e olhar. Lá fora, o tempo parecia congelado, com um frio cortante que marcava a hora exata daquele instante: caindo... caindo... Um frio que penetrava até os ossos. Assim, todos se recolhiam à pequena morada. Hora de dormir. Mas antes, por um breve momento, o rádio de pilha — PRC5 e Marajoara — trazia as novidades do mundo exterior. Eis o tempo das lamparinas...

Nas entranhas de todos da casa, o querosene era o combustível da vida simples. Lampiões eram luxo para poucos, enquanto candeeiros representavam o cotidiano do homem do interior. Uma vida que não voltará. Crianças e jovens, de boca aberta, escutavam encantados os mistérios contados na boca-da-noite que se foi com os anos. Assim aprendíamos, decorávamos e estudávamos as histórias de matinta, feiticeiras, porcos do mato, mãe-d’água e mundiamento. E assim, em nossas vidas, nascia o respeito ao mundo da mata, das águas e do céu infinito.

Vida lamparineira!


FIM

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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0099


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