*Nº 0431- EXERLIA E AS PLANTAS - SÉRIE CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA
Desde que se entendia por gente, Exerlia tinha uma ligação especial com o verde. Ainda criança, enquanto as outras meninas preferiam brincar com bonecas ou correr pelo quintal, ela se refugiava entre as flores e os arbustos do jardim da avó. Ali, sentada sobre a relva úmida, passava horas observando cada detalhe das plantas: os contornos delicados das folhas, os tons vibrantes das pétalas, os pequenos insetos que nelas pousavam. E quando ninguém estava por perto, Exerlia conversava com elas, certa de que eram capazes de ouvi-la.
— Você parece cansada hoje, pequena roseira. Vou te dar um pouco mais de água. — dizia, despejando cuidadosamente o líquido cristalino sobre as raízes expostas.
Era um segredo que guardava só para si. Não porque temesse ser repreendida, mas porque sabia que os outros não entenderiam. Certa vez, tentou contar para sua melhor amiga, Clara, mas tudo o que recebeu foi um olhar de desdém e uma risada sarcástica. Desde então, aprendeu a se fechar. Conversar com as plantas era seu refúgio, sua forma de escapar de um mundo barulhento e muitas vezes cruel.
A ligação de Exerlia com o jardim não era apenas emocional, era também sensorial. Ela sentia as vibrações das plantas, percebia suas mudanças de humor. Bastava aproximar-se de uma árvore para saber se ela estava saudável ou se precisava de cuidados. Esse dom peculiar lhe dava uma sensação de pertencimento, de importância.
Um dia, porém, seu pequeno universo verde foi abalado por uma notícia devastadora: sua avó havia falecido. A dor foi profunda e solitária. Não apenas pela perda de alguém tão querido, mas pelo temor de que, junto com a avó, ela perdesse também aquele jardim mágico, que era uma extensão de sua própria alma.
A mãe de Exerlia, prática e realista, logo tratou de organizar a venda da casa. Não havia recursos para manter o imóvel antigo, tampouco o imenso jardim que o cercava. Diante da inevitável separação, Exerlia sentiu que precisava agir. Não podia deixar aquelas plantas, que eram como parte de sua família, nas mãos de estranhos.
Na calada da noite, com o coração pulsando forte no peito, ela pegou sua mochila mais robusta e correu até o jardim. A lua cheia iluminava suavemente o terreno, conferindo ao momento uma aura quase mística. Escolheu com cuidado as plantas que levaria, aquelas que tinham um significado especial para ela. Encheu a mochila com pequenas mudas, algumas flores favoritas e um pouco da terra que tanto amava. Antes de partir, fez uma última reverência ao jardim, sentindo o vento sussurrar entre as folhas.
— Prometo que cuidarei de vocês — disse baixinho, como se falasse diretamente com as plantas.
De volta ao quarto, Exerlia trabalhou durante horas, plantando as mudas em pequenos vasos, regando cada uma delas com todo o carinho que tinha. Quando finalmente terminou, já era madrugada, mas ela não se sentia cansada. Pelo contrário, havia dentro dela uma sensação de propósito renovado, como se aquele ato de coragem e amor fosse o início de algo muito maior.
E foi então, enquanto acariciava as folhas de uma pequena samambaia, que aconteceu algo inacreditável. Uma voz suave e acolhedora ecoou em sua mente:
— Obrigada por nos salvar, Exerlia.
A menina sobressaltou-se, olhando em volta, certa de que alguém havia falado com ela. Mas não havia ninguém ali, apenas as plantas, brilhando suavemente sob a luz da lua. Sentiu, então, uma conexão intensa, como se pudesse ouvir não apenas as palavras, mas também os sentimentos das plantas.
— Vocês... podem falar? — perguntou, com a voz trêmula.
— Sim, e sempre pudemos — respondeu a mesma voz. — Mas só os que têm o dom podem nos ouvir. E você, Exerlia, tem esse dom.
A revelação deixou a menina atônita e maravilhada ao mesmo tempo. Sentia-se como se uma porta secreta tivesse se aberto diante dela, revelando um universo que sempre esteve ali, mas que apenas agora ela era capaz de enxergar.
— Por que eu? — perguntou, ainda tentando assimilar o que acontecia.
— Porque você é especial. Você foi escolhida para ser uma protetora da natureza.
Aquelas palavras ecoaram dentro de Exerlia, preenchendo-a com um misto de responsabilidade e esperança. Guardiã da natureza. A frase soava grandiosa, quase impossível. Mas, ao mesmo tempo, sentia que era exatamente isso que estava destinada a ser.
— O que devo fazer? — perguntou, determinada.
— Aprenda conosco. Escute os segredos que temos para contar. Ensine aos outros o respeito e o amor pela natureza. Proteja a vida, seja ela grande ou pequena. Você tem a força e o coração de uma guardiã.
A partir daquele dia, a vida de Exerlia mudou completamente. Ela dedicou-se a cuidar de seu minijardim, conversando diariamente com suas amigas verdes e aprendendo tudo o que podia com elas. Mas não se limitou a isso. Inspirada pelas lições das plantas, começou a estudar botânica e ecologia, interessando-se pelas questões ambientais que afetavam o planeta.
Conforme o tempo passava, Exerlia crescia não apenas em idade, mas em sabedoria. Tornou-se uma defensora incansável da natureza, levando sua mensagem para além dos muros de sua casa. Fundou grupos de proteção ambiental, liderou campanhas de reflorestamento e ajudou a conscientizar as pessoas sobre a importância de preservar o meio ambiente.
Mesmo diante dos desafios e das dificuldades, ela nunca desistiu. Sempre que se sentia desanimada, bastava voltar ao seu quarto e conversar com suas plantas, que a encorajavam e a renovavam.
— Lembre-se, Exerlia — diziam elas —, você é uma guardiã. E enquanto houver alguém disposto a lutar pela natureza, haverá esperança para o mundo.
Assim, a menina que um dia conversava com plantas em segredo tornou-se uma heroína da vida real, inspirando todos ao seu redor a verem o mundo com outros olhos. E, em seu coração, ela sempre carregava a promessa que fizera à sua avó: cuidar da natureza com amor e dedicação, por toda a vida.
FIM
© Copyright de Britto, 2022 – Pocket Zine
Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0431