*Nº 0428 - DE REPENTE (AHORA) - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA

  

Era sempre bem perto do sol se despedir no horizonte que a filha da princesa iniciava seu canto, um ritual que, sem falhar, encantava a todos na ilha. Havia algo de mágico na sua voz, como se cada nota fosse capaz de despertar os segredos mais profundos da natureza ao seu redor. Naquele instante, tudo cessava: o trabalho dos habitantes, o movimento das ondas, e até o vento parecia soprar mais suave para não interromper a melodia. Os bichinhos da ilha, pequenos seres de formas e cores diversas, ficavam em um estado de encantamento, atraídos pela voz que parecia se fundir com a essência da ilha.

Ela cantava as canções que aprendera com sua mãe, a princesa, melodias ancestrais que guardavam a história e os segredos da ilha. Cada verso trazia a força dos elementos: a imensidão do mar, a imensurável vastidão do céu, a firmeza da terra e a potência do fogo. Suas canções falavam de uma harmonia perdida, de tempos antigos em que humanos e natureza viviam em perfeita sinfonia. Era como se cada nota carregasse um pedaço de sabedoria, uma mensagem oculta destinada a despertar o espírito adormecido dos que a ouviam.

Os habitantes, ao se reunirem para escutá-la, sentiam-se renovados. Havia algo inexplicável naqueles momentos, como se o canto da jovem trouxesse consigo uma energia revigorante que lhes devolvia a esperança. Sentiam-se mais conectados uns aos outros e à terra que os acolhia. Sob a luz suave do entardecer, formavam um grande círculo ao redor da filha da princesa, partilhando não apenas o som, mas também uma sensação de união que transcendia as palavras.

Os bichinhos da ilha, dotados de uma inteligência especial e de um instinto quase místico, aproximavam-se em reverência. Eles sabiam, de maneira intuitiva, que a jovem era a escolhida, a portadora de uma missão que ultrapassava gerações. Formavam um círculo de luz ao seu redor, emanando uma energia protetora que parecia fortalecer ainda mais a magia presente em seu canto. Em troca, a jovem lhes oferecia sua gratidão silenciosa, reconhecendo neles os guardiões da ilha, seres que detinham um conhecimento ancestral, muito anterior ao tempo dos humanos.

Com o passar dos dias, a filha da princesa compreendeu que sua voz não era apenas uma dádiva, mas também uma responsabilidade. Era uma arma poderosa contra o rei malvado que desejava subjugar a ilha, um monarca cruel que, com sua magia sombria, buscava quebrar o equilíbrio natural daquele lugar mágico, abrindo todos os Portais da ilha. Mais do que isso, sua voz era também uma cura, capaz de trazer paz e esperança ao  povo e as Entidades daquele lugar mágico reacendendo a chama da resistência contra a tirania.

Sabendo do grande desafio que se aproximava, a jovem não se deixava abater. Continuava a cantar, dia após dia, como se cada ensaio fosse uma preparação para o confronto inevitável. Em cada canção, colocava sua alma, sentindo-se cada vez mais forte e determinada. Ela sabia que o momento decisivo estava por vir, e que, quando ele chegasse, não estaria sozinha. Os bichinhos da ilha, seus guardiões leais, estariam ao seu lado. O povo, inspirado por seu canto, se ergueria em defesa da liberdade. E a natureza, sempre vigilante, responderia ao chamado de sua voz.

Havia dias em que a jovem se sentia cansada, mas bastava olhar ao seu redor para renovar suas forças. Via as ondas do mar dançando ao ritmo de sua canção, os mangueiros  balançando suavemente como se a acompanhassem. Tudo aquilo lhe dava a certeza de que valia a pena lutar, de que sua missão era justa e necessária.

— Não temerei o rei malvado — disse a si mesma certa vez, enquanto observava o entardecer. — Tenho a força do amor, da natureza dos Encantados e do povo ao meu lado. Minha voz é minha arma, e com ela libertarei a ilha.

E assim, dia após dia, a filha da princesa continuava a cantar, fortalecendo-se para o grande dia que se aproximava. E, embora o sol desaparecesse no horizonte, levando a luz consigo, todos sabiam que a verdadeira luz da ilha residia na voz da jovem, uma luz que jamais se apagaria. Mas um dia ela "perdeu a voz" através de um encanto lunar. Mas essa, meus amigos, é uma outra história, que merece ser contada em outra ocasião, quando o momento certo chegar.


FIM

 © Copyright de Britto, 2022 – Pocket Zine

 Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0428

 



Mensagens populares