*Nº 0426 - CONVERSAS Á BEIRA MAR - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
Era uma vez um homem da cidade, sempre apressado, com os olhos fixos no horizonte onde brilhavam as promessas de dinheiro e fama. Certo dia, exausto de tanto correr contra o tempo, decidiu fazer algo diferente: foi passear em uma aldeia de pescadores. Chegou lá em uma manhã ensolarada, quando o sol iluminava a paisagem com uma beleza quase hipnótica, e logo se deparou com uma cena que o intrigou. Um pescador repousava tranquilo em sua canoa, cochilando à sombra de um coqueiro, enquanto as ondas lambiam suavemente a margem.
Incomodado com o que julgou ser um desperdício de tempo, o homem da cidade aproximou-se e, sem muita cerimônia, acordou o pescador:
— Bom dia, companheiro. Por que está aí dormindo? Não seria melhor ir pescar mais um pouco? Assim poderia ganhar mais dinheiro e melhorar sua vida.
O pescador abriu os olhos devagar, como quem saboreia cada segundo da manhã, e respondeu com um sorriso sereno:
— Bom dia, senhor. Já pesquei o suficiente para sustentar minha família hoje. Agora é hora de descansar, sentir a brisa e aproveitar a vida. Veja ali meus amigos e parentes tocando Carimbó à beira do rio. Não há nada que me dê mais alegria do que estar com eles.
O homem da cidade, perplexo com a resposta, tentou argumentar. Para ele, a vida era uma eterna corrida por mais conquistas, e não conseguia entender como alguém poderia estar satisfeito com tão pouco.
— Mas você não percebe que, se pescasse mais, poderia vender seus peixes no mercado e ganhar mais dinheiro? Com o tempo, compraria um barco maior, contrataria outros pescadores e expandiria seu negócio. Poderia se tornar um grande homem na indústria da pesca, famoso e respeitado. Não seria melhor ter mais conforto e status em sua vila?
O pescador, intrigado com a ideia, refletiu por um instante e respondeu:
— E depois de me tornar esse grande homem, o que eu faria?
O homem da cidade, sentindo que estava prestes a vencer a discussão, replicou:
— Ora, então você poderia descansar e aproveitar a vida.
O pescador sorriu, um sorriso carregado de uma sabedoria simples, quase ancestral, e disse:
— Mas é exatamente o que já estou fazendo, senhor. Tenho o suficiente para hoje, posso estar com minha família e amigos, ouvir música e sentir a paz do rio. Por que eu precisaria de tanto trabalho se já tenho aquilo que o senhor me promete como recompensa no futuro?
O homem da cidade ficou sem palavras. Pela primeira vez, sentiu-se desconcertado diante de uma visão de mundo tão diferente da sua. Havia algo no pescador que o fascinava e o irritava ao mesmo tempo: uma serenidade que ele nunca experimentara. Sentiu uma pontinha de inveja ao perceber que, talvez, o verdadeiro segredo da felicidade estivesse naquela simplicidade.
Sem saber o que dizer, despediu-se com um gesto rápido e voltou pelo mesmo caminho por onde viera, mas algo em seu coração havia mudado. Durante o trajeto de volta, não conseguia parar de pensar na lição involuntária que aquele humilde pescador lhe dera.
Enquanto isso, na aldeia, Primolius, o contador de histórias da ilha, observava tudo de longe e resolveu narrar o ocorrido aos amigos pássaros, que o escutavam atentamente, empoleirados nas árvores.
— Sabem, amigos, essa história é uma verdadeira lição de vida. Muitas vezes, as pessoas da cidade estão tão focadas em acumular riquezas e status que se esquecem de aproveitar as coisas simples e belas ao seu redor. Elas vivem correndo atrás de um futuro idealizado, enquanto perdem o presente, que é a verdadeira riqueza.
Os pássaros bateram as asas em sinal de concordância, e Primolius prosseguiu:
— O pescador, por outro lado, entendeu algo fundamental: sucesso não é ter muito, mas ser feliz com o que se tem. Ele sabe que o tempo de qualidade com os que amamos é o bem mais precioso que possuímos.
Ao final de sua história, Primolius deixou um aviso:
— Infelizmente, muitos pescadores e nativos não pensam mais assim na ilha. A pressa do mundo moderno chegou até aqui, e muitos começaram a acreditar que apenas dinheiro traz felicidade. Mas ainda acredito que um dia voltaremos a valorizar o que realmente importa: a paz, a harmonia e o tempo ao lado de quem amamos.
Os pássaros, inspirados pelas palavras de Primolius, alçaram voo, espalhando pelo céu a esperança de que aquela mensagem alcançasse muitos corações. E assim, a aldeia continuou seu ritmo tranquilo, com o pescador descansando em sua canoa, os amigos tocando Carimbó à beira do rio e a natureza servindo de palco para uma lição silenciosa sobre a verdadeira essência da felicidade.
- Maré secando no horizonte de Maya...
FIM
© Copyright de Britto, 2022 – Pocket Zine
Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0426


