* Nº 0419 - CANTIGA DE NINAR ORIGAMIS - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA

 



Ele sempre teve uma paixão por barcos de papel. Quando criança, morava em uma casa simples, mas com um quintal enorme que era o palco de suas maiores aventuras. No fundo desse quintal, havia um poço antigo, já sem água, que para ele era muito mais do que uma estrutura abandonada: era um oceano misterioso, cheio de segredos e possibilidades.

Com folhas de caderno trazidas da escola, ele dobrava cuidadosamente seus barcos de papel, seguindo as instruções que aprendera com o avô. O velho também amava barcos de papel e lhe ensinara a criar diferentes modelos. Cada dobra no papel era feita com atenção, como se carregasse consigo a promessa de grandes jornadas.

Os barcos eram levados ao poço, onde ganhavam vida na imaginação do menino. Para ele, aqueles pequenos pedaços de papel não eram apenas brinquedos; eram navios corajosos enfrentando tempestades, piratas cruéis e monstros marinhos gigantes. Ele narrava suas aventuras em voz alta, imitando a voz grave de um capitão:

— Atenção, tripulação! Temos uma missão importante pela frente. Vamos atravessar o poço-oceano e descobrir novas terras e tesouros. Mas cuidado! Há muitos perigos no caminho. Temos que estar preparados para tudo!

Por horas, ele mergulhava nesse mundo imaginário, sonhando com as aventuras que viveria se fosse um verdadeiro capitão. Às vezes, sua mãe o chamava para almoçar ou jantar, mas ele implorava por mais tempo:

— Só mais um pouquinho, mãe! Meu barco está quase chegando à ilha do tesouro!

Ela sorria e respondia com paciência:

— Está bem, filho. Mas não demore muito. A comida vai esfriar.

— Tá bom, mãe. Obrigado.

Ele adorava sua mãe. Ela sempre o apoiava, incentivando-o a usar sua criatividade. Dizia que ele era um menino inteligente e que poderia ser o que quisesse na vida. Seu pai também era especial. Trabalhava como mecânico e, às vezes, o levava à oficina para mostrar como consertar eletrodomésticos. Ensinava-lhe sobre ferramentas e peças, dizendo que ele era esperto e habilidoso, capaz de realizar qualquer coisa.

Ele tinha uma família maravilhosa. Eram seu maior tesouro, e ele os amava profundamente.

O tempo passou, e ele cresceu. Os barcos de papel ficaram guardados nas memórias da infância enquanto ele se dedicava aos estudos, ao trabalho e à construção de sua própria família. Viajou pelo mundo, conheceu lugares incríveis e realizou alguns dos seus sonhos. Formou-se em engenharia naval e trabalhou em grandes projetos de construção de navios. Casou-se com uma mulher maravilhosa e teve dois filhos lindos. Foi feliz.

Mas nunca esqueceu aquele poço no quintal e os barcos de papel que tanto o encantaram.

Hoje, aos oitenta anos, ele já não tem a mesma disposição nem a mesma saúde. Sua esposa faleceu há dois anos, e seus filhos vivem longe. Às vezes, sente-se sozinho. Mas ainda guarda aquela imaginação que o acompanhou a vida toda.

De vez em quando, quando está sozinho em casa, ele pega uma folha de papel e faz um barco. Caminha até o quintal, coloca o barco no poço e observa enquanto ele navega entre flores e raízes, explorando o mundo invisível que só ele consegue ver. Uma nostalgia boa toma conta dele. Ele lembra da infância feliz, da família querida e das viagens reais e imaginárias que viveu.

Sabe que pode parecer bobagem, mas é assim que ele resgata o menino que ainda vive dentro dele. É sua forma de voltar ao passado, de agradecer à vida pelas aventuras que viveu — mesmo aquelas que aconteceram apenas em sua cabeça.

Ele sempre gostou de brincar de barcos de papel. 

E sempre vai gostar....


Um poço no quintal,  

Aventuras infantis,

Barco de papel

Sonhos de abril.


Viagens sem fim,

Entre flores e mares,

Navega sem parar,

Vai o mundo explorar.


FIM


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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0419


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