*Nº 0128 - A MATINTA E A FEITICEIRA - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA

 


Na vastidão verde e misteriosa da Amazônia, onde a floresta pulsa com uma vida própria e a magia se entrelaça ao cotidiano, duas figuras lendárias emergem como símbolos de poder e temor: Matinta Pereira e a Feiticeira da Mata. Envoltas em uma aura enigmática, essas entidades habitam os contos que atravessam gerações, ecoando nos corações dos habitantes da selva, que as reverenciam e temem em igual medida.

Matinta Pereira é uma entidade camaleônica, cujas formas e gênero variam conforme as histórias que a envolvem. Sob a luz prateada da lua cheia, sua verdadeira natureza aflora. Em algumas narrativas, ela surge como um pássaro agoureiro, cujos gritos cortam o silêncio da noite e arrepiam até os mais corajosos caçadores. Em outras, aparece como um porco misterioso, envolto por uma energia quase palpável. Dotada de feitiços poderosos, Matinta detém o dom de manipular as forças da vida e da morte. Dizem que pode ressuscitar criaturas caídas e invocar entidades encantadas, dominando os segredos mais profundos da floresta. Seu assobio, agudo e inconfundível, anuncia sua presença, enquanto suas unhas de fogo deixam marcas luminosas na escuridão — avisos para que nenhum curioso ouse cruzar seu caminho.

Por outro lado, a Feiticeira da Mata é uma figura de coragem inabalável e astúcia sem igual. Moradora de uma casa singela feita de palha.  Ela também possui o dom da transformação. Suas formas favoritas são a loucura personificada e um pássaro de plumagem vibrante, ambas expressões de sua essência indomada. Seus feitiços, carregados de intenções poderosas, servem tanto para superar os desafios da selva quanto para reafirmar seu papel como uma guerreira invencível. A Feiticeira é um símbolo de resistência e resiliência, inspirando tanto temor quanto admiração por onde quer que sua presença seja sentida.

Apesar de suas diferenças, Matinta Pereira e a Feiticeira da Mata compartilham uma origem misteriosa. As lendas sugerem que ambas descendem da mesma linhagem de poder, um elo ancestral que as une tanto quanto as separa. Essa conexão profunda, no entanto, não impediu que suas vidas fossem marcadas por um embate incessante — uma disputa silenciosa pelo controle absoluto sobre os mistérios e a magia da Amazônia. As noites da floresta, com seu breu absoluto quebrado apenas pela luz da lua e pelo brilho de vagalumes, tornam-se o cenário perfeito para seus confrontos. Enquanto Matinta realiza seus rituais sob árvores centenárias, sua voz ecoando em canções de poder, a Feiticeira prepara suas armadilhas em clareiras ocultas, guiada por uma confiança inquebrantável.

Elas não precisam de palavras para expressar o antagonismo entre si; seus feitiços e transformações falam mais alto, em uma batalha onde a vitória é determinada pela astúcia, coragem e controle sobre as forças da natureza. Os moradores da Amazônia, conhecedores da sabedoria ancestral transmitida de geração em geração, falam dessas figuras com temor e reverência. Para alguns, Matinta Pereira é uma guardiã severa, punindo aqueles que desrespeitam a floresta. Para outros, é uma ameaça constante, um lembrete de que o desconhecido sempre pode estar espreitando nas sombras. Já a Feiticeira da Mata, com sua postura desafiante, é vista como uma protetora das tradições e dos que vivem em harmonia com a floresta. No entanto, há também quem a tema, considerando-a imprevisível e perigosa, especialmente quando provocada.

Assim, a selva amazônica, com sua imensidão e complexidade, transforma-se no palco de uma história sem fim. Os ventos que atravessam as árvores carregam os sussurros dessas lendas, enquanto os rios cantam canções que parecem narrar as batalhas travadas sob o manto das estrelas. Cada criatura, grande ou pequena, parece estar ciente da disputa, ajustando seus comportamentos para evitar cruzar o caminho dessas duas poderosas entidades.

E assim, a pergunta ecoa entre as árvores e os rios: quem será a mais poderosa? Enquanto o tempo não revela a resposta, a floresta continua a testemunhar este duelo épico, onde magia, coragem e mistério se entrelaçam. O que é certo é que, para os habitantes e para a própria mata, Matinta Pereira e a Feiticeira da Mata são partes inseparáveis do encanto e do terror que fazem da Amazônia um lugar como nenhum outro.

— E assim foi narrado por uma delas, numa conversa de fogueira...

- Vixe!


FIM

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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0128

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