*Nº 0432 - A JORNADA DE GETRILIUS - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA

 


O nome dele era Getrilius, e, embora sua aparência pudesse sugerir simplicidade, havia algo de especial naquele bicho-preguiça. Ele vivia na ilha de Mayandeua, uma região coberta por matas exuberantes e rica em biodiversidade. O lar de Getrilius era uma majestosa árvore, cujas copas tocavam o céu, oferecendo sombra fresca e alimento abundante. Ali, ele passava seus dias em um estado de plena tranquilidade, pendurado entre os galhos altos, comendo folhas  e cochilando ao sabor do vento suave que soprava do mar próximo. Para Getrilius, a vida era simples e boa.  

Embora fosse um animal solitário, não se sentia sozinho. A mata era sua família. Ele ouvia o canto dos pássaros ao amanhecer, sentia o perfume das flores ao entardecer e contemplava as estrelas à noite, enquanto descansava em sua morada elevada. Em suas andanças lentas pelos galhos, costumava refletir sobre a beleza da natureza, sem jamais se preocupar com o que o amanhã traria.  

Contudo, em um fatídico dia, esse mundo desabou. Getrilius despertou com um som que nunca ouvira antes: o rugido cortante de uma motosserra. Ao abrir os olhos, viu, com horror, um homem  empunhando a máquina que, com violência e descaso, derrubava a árvore que ele chamava de lar. Antes que pudesse reagir, sua casa desmoronou com um estrondo surdo, levantando poeira e folhas secas ao redor.  

A queda deixou Getrilius atordoado. Sentia-se desamparado, pequeno e vulnerável diante da destruição. Ao seu redor, o caos reinava: outras árvores eram cortadas, plantas eram arrancadas, e o chão da mata se tornava um campo de desolação. O bicho-preguiça compreendeu, então, que precisava agir rapidamente. Sem lar e sem proteção, sua vida estava em risco. Lentamente, ele desceu do amontoado de galhos quebrados e começou a caminhar pelo chão, em busca de um refúgio.  

Sabia que aquela travessia seria perigosa. No solo, ele estava exposto a predadores e, pior ainda, aos humanos, que agora pareciam ser seus maiores inimigos. Mesmo com sua marcha lenta e cansada, ele não desistiu. Com cada passo arrastado, lembrava-se das palavras de sua mãe:  

— Somos pequenos, meu filho, mas fortes. Nosso papel na Terra é preservar a floresta e levar paz ao mundo.  

Essas lembranças encheram Getrilius de uma coragem renovada. Ele sabia que desistir não era uma opção. Continuou caminhando, mesmo com fome e exaustão pesando sobre seu corpo. Pelo caminho, encontrou vários outros animais: um grupo de macacos que balançavam pelos cipós o alertou sobre a presença de cobras próximas; um tamanduá, gentil, indicou uma rota mais segura através de um pequeno riacho. Em alguns momentos, precisou se esconder de predadores ou de novas equipes de madeireiros. Em outros, recebeu ajuda de amigos inesperados.  

Depois de horas que pareceram dias, ele finalmente chegou a uma parte intacta da ilha, onde a mata permanecia  cheia de vida. Ao avistar as árvores altas e frondosas, sentiu o coração se encher de alívio e esperança. Olhou ao redor e avistou um belo bacurizeiro, cujos frutos amarelos pendiam dos galhos como pequenos sóis. Era uma árvore forte, com um tronco firme e uma copa ampla que oferecia abrigo e alimento.  

Getrilius sentiu uma energia especial emanando daquela árvore. Com esforço, escalou seu tronco, subindo galho por galho, até alcançar o topo. Lá, encontrou um ninho natural entre os galhos, perfeito para descansar. Exausto, mas aliviado, deitou-se e olhou para o céu  que se abria acima de sua nova morada.  

— Obrigado por me acolher, bacurizeiro — sussurrou ele, sentindo a conexão com a árvore. — Prometo que vou cuidar de você e retribuir sua generosidade.  

Enquanto Getrilius descansava, a imagem de sua mãe veio à sua mente. Sentiu uma onda de gratidão por tudo o que ela lhe ensinara. Fechou os olhos e permitiu-se adormecer. E, naquele sono profundo, sonhou com um futuro diferente para sua amada ilha.  

Em seu sonho, não havia motosserras nem homens destruindo a floresta. As árvores cresciam livres e em paz, formando um vasto tapete verde que cobria toda a ilha. Os animais viviam em harmonia, sem medo ou ameaça. Os lagos corriam límpidos, e o ar era fresco e puro. Naquele mundo, Getrilius viu-se liderando um grande grupo de animais, todos unidos por um único propósito: proteger a mata e garantir que ela continuasse viva para as próximas gerações.  

Ao despertar, Getrilius sentiu-se diferente. Não era mais apenas um bicho-preguiça qualquer; agora, ele sabia que tinha uma missão. Decidiu que faria o possível para preservar aquele novo lar e impedir que outros sofressem o mesmo que ele.  Ele passou a observar a mata de Mayandeua com atenção redobrada, ajudando a espalhar sementes pelo chão fértil, para que novas árvores pudessem nascer. Quando encontrava outros animais, contava-lhes sobre a importância de proteger a natureza, tentando inspirá-los a agir. E, assim, Getrilius tornou-se, silenciosamente, um representante da mata, um símbolo de resistência e esperança.  

Por mais que fosse pequeno e lento, ele sabia que cada ato de amor pela ilha fazia diferença. Afinal, como sua mãe lhe dissera um dia:  

— Mesmo os menores seres têm grandes propósitos, quando agem com o coração.  

E assim, com cada nova folha que brotava nos galhos do bacurizeiro, Getrilius sentia que estava ajudando a construir o futuro com que sonhara: um mundo onde a natureza fosse respeitada e onde a vida, em todas as suas formas, pudesse florescer em paz.

- E assim Primolius termina mais uma história de nossa ilha encantada.


FIM

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 Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0432


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