* Nº 0344 - UMA ESTÓRIA DE REDE - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
A noite chega com sua suavidade característica, envolvendo o curral em um abraço silencioso. A lua, tímida e gentil, eleva-se no horizonte, derramando sobre o campo uma luz que parece pertencer a outro mundo. Até as vacas, tranquilas em seus cantos, parecem hipnotizadas pelo encanto do luar, imóveis como estátuas vivas.
Os grilos entoam suas melodias sutis, enquanto as mariposas, em sua dança errante, juntam-se à celebração noturna. Um lampião pendurado no barracão tenta rivalizar com a grandiosidade da lua, mas acaba por tornar-se seu fiel assistente, lançando um brilho cálido que complementa o cenário. O calor persistente da boca da noite ainda paira no ar, abafando o sereno que reluta em se manifestar.
No barranco, Seu Bacurau, figura emblemática das noites rurais, ajusta-se confortavelmente em seu lugar, segurando o pote de cachaça e dando generosas goladas. Ao redor, a vida parece repousar em uma quietude quase palpável. Um tamborete simples aguarda companhia, e a vara de pesca, apoiada na cumeeira, é testemunha silenciosa de histórias antigas. O ambiente respira uma preguiça serena, aquela calma de quem observa o céu em busca de respostas ou simplesmente permite ao tempo fluir sem pressa.
A fumaça do fumo de corda mistura-se ao ar, subindo em espirais delicadas que parecem querer tocar a lua. É um gesto poético, um diálogo mudo entre a terra e o céu, enquanto os bichos mantêm sua vigília tranquila sob o manto estrelado.
E lá, no fundo da rede, onde o sono começa a abraçar os corações daqueles que vivem nesse rincão, Seu Bacurau solta, em meio a um riso contido, sua saudação peculiar:
— "Bua nûti seu dutô poeta!"
Risos leves ecoam, suaves como o vento que balança as folhas. A simplicidade da vida, envolta em poesia, transforma o curral em um palco mágico, onde a noite transcende o simples intervalo de tempo. É um refúgio para a alma descansar, para os olhos perderem-se na vastidão do céu e para os corações encontrarem paz na beleza do presente.
— Risos...
FIM
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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0344


