* Nº 0327 - ESPUMAS DE MARESIAS - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
(Direto de Mayandeua)
Nas evidências do tempo de uma cidade, a saudade de suas nuances é aquecida. Em uma época distante, a cidade podia ser percorrida a pé, e o nome de muitas ruas era dado por seus habitantes, que se conheciam em cada vértice do caminho. Cores e sons vibravam nas esquinas, embelezando as alamedas com sementes e flores ao chão, num tempo outrora desprovido de tecnologias. Tudo era mais vívido, como um retrato vivo que hoje jaz esquecido nos álbuns de memórias. Há nostalgia em relembrar as mesas repletas de doces, mingaus e café, onde muitos se reuniam para saborear as tardes de chuva e frio, compartilhando risadas e histórias simples, mas profundamente humanas.
Na memória de muitos, a cidade ancestral perpetuava a ociosidade dos anos idos, um "tempo experiência" vivido pelos jovens da velha cidade. Hoje, há uma ligeira percepção da passagem dos melhores anos, com as lembranças da infância como recortes espaciais no âmago do cotidiano. O lugar e seus espaços são simbólicos em sua simplicidade de viver e funcionais pelas emoções das traquinagens diárias. Memórias ricas desse período são relembradas por um adulto que agora reside em ilhas distantes, onde as marés não podem parar. Minutas coletivas de revezamento de ideias e ações interpretam o tempo, que é a derradeira puerícia de um homem que se tornou arqueólogo de si mesmo, escavando os vestígios de um cotidiano perdido entre areias e ventos.
Relembrar a urbe é satisfazer de maneira única outra história deste explorador do cotidiano, cujos filtros de imagens atravessam o imaginário de alguém que se tornou um interlocutor de cartas flutuantes através do mar adulto e contínuo. Nesta relação de simetrias do tempo, faz-se mais uma leitura com vários cortes, como em um cinema antigo de um lugar específico, com muitos atores que revelaram suas emoções, muitas vezes distorcidas ou condenadas ao amor por automóveis ou ciclovias. Este, no entanto, escolheu as areias, deixando-se levar pelo canto das sereias de Mayandeua, onde o encanto foi consumado.
Tempo e espaço desfragmentam os sincronismos de ideias que surgem a cada esquina, como reflexos de um passado que insiste em dialogar com o presente. E assim, esta carta é escrita para retratar as minutas através da voz do destinatário, alguém que, ao olhar para trás, enxerga não apenas uma cidade, mas um mosaico de emoções e experiências. Finalmente, o tempo passou, e este realizou uma viagem para as ilhas que o chamavam. Entre espumas de maresia que dançam em suas mãos, ele encontra o eco de um tempo que nunca verdadeiramente se foi, mas que permanece vivo nas marés, nas areias e nos ventos que carregam consigo as histórias de uma vida.
- Retratos de um esquecido interior....
FIM
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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0327


