* Nº 0323 - CARTA PARA UM NATAL DISTANTE - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
(Direto de Mayandeua)
Um dia, alguém na ilha me fez uma pergunta que me levou de volta ao tempo, a um lugar de infância cheio de memórias preciosas:
“Como era o seu Natal na infância?”
E foi assim que escrevi esta história.
Quando o Natal se aproximava, algo mágico tomava conta de todos os cantos da nossa casa e do coração de cada um de nós. Era uma época especial, e as lembranças desse tempo ainda são como tesouros guardados. Eu me lembro de cada detalhe: as luzes coloridas piscando em ritmos suaves, o aroma das frutas frescas misturado ao cheiro da terra molhada pelas chuvas de dezembro, e o som alegre das músicas natalinas que enchiam os ambientes com uma energia contagiante. Era 1984, e morávamos em uma pequena cidade cercada por árvores, onde até a calçada à frente da nossa casa parecia ser parte de um universo infinito para minha visão de criança. Em frente à nossa casa, havia um majestoso pé de acácia, cujas flores amarelas iluminavam os dias enquanto as cigarras cantavam no alto, anunciando a chegada das chuvas. A cidade inteira respirava fundo, perfumada pelo aroma das flores e das mangueiras que preenchiam as ruas. Eram tempos felizes, onde tudo parecia mais vivo, mais intenso.
Com a chegada do inverno amazônico, vinha também uma profusão de sabores e aromas únicos. Dezembro era o mês das frutas: pupunha, abricó, taperebá, cupuaçu, ingá e, claro, manga — todas faziam parte do nosso cotidiano e transformavam cada dia em uma celebração. Na nossa terra dos Castanhais, quando dezembro chegava, o Natal já pairava no ar. Nossos pais começavam a preparar a casa e organizar os detalhes para a festa. O guarda-roupa, sempre trancado e vigiado de perto, tornava-se o cofre onde os sonhos se escondiam. Sabíamos que, de acordo com nosso comportamento ao longo do ano, poderíamos ou não receber aquilo que tanto desejávamos. Era uma espécie de teste de virtude, e nos esforçávamos ao máximo para garantir que nossos sonhos se realizassem naquela noite mágica.
Na véspera de Natal, era tradição que nossos pais saíssem cedo para fazer as compras, deixando-nos em casa, imersos em devaneios sobre o que nos aguardava. Enquanto isso, refletíamos sobre o ano que passara, relembrando risadas e travessuras. Entre nós, irmãos, brincávamos de culpar uns aos outros pelas falhas cometidas, tentando justificar por que ainda assim merecíamos os presentes. Lembro-me de como, nesses momentos, todos nos tornávamos "anjos", revisando mentalmente o que poderíamos ter feito de melhor. Quando nossos pais retornavam da feira, seus braços estavam carregados de sacolas cheias de frutas, verduras frescas e, claro, os tão aguardados presentes, envoltos em papéis coloridos e fitas brilhantes que faziam nossos olhos brilhar.
A mesa da cozinha ganhava um colorido especial, decorada com maçãs, uvas, peras, castanhas de Portugal e os deliciosos pratos natalinos. Minha mãe, cuidadosa, guardava a chave do guarda-roupa onde os presentes estavam trancados, aumentando ainda mais o suspense e a emoção daquele dia. Apesar de simples e de móveis modestos, nossa casa parecia resplandecer com o brilho da nossa felicidade. Tudo exalava uma aura de abundância: as tortas, os bolos, os pratos preparados com tanto carinho davam a sensação de que vivíamos em um mundo de sonhos. As tarefas para nós, filhos, também tinham um ar solene. Cada detalhe precisava estar impecável: o quintal varrido, a casa em perfeita ordem, a calçada limpa. Os refrigerantes e champanhes eram colocados para gelar no Prosdócimo antes do meio-dia. Na vitrola, tocavam discos de vinil, e os sons das músicas embalavam nossos movimentos, tornando-se uma trilha sonora que anunciava o tão esperado Natal. À meia-noite, reuníamo-nos para a ceia, trocávamos abraços e sorrisos, e os presentes finalmente eram abertos, revelando um pouco dos nossos sonhos, desejos e afeto.
Assim era o Natal na casa número 1950, na Rua Comandante Francisco de Assis, onde a simplicidade e o amor faziam daquela noite a mais especial do ano. Uma noite de magia, onde éramos plenamente felizes, e onde cada detalhe nos fazia sentir que o mundo era um lugar perfeito, ainda que fosse só por uma noite.
Escrevo agora, com os olhos marejados, lembrando desse tempo em que cada Natal era um pedaço de paraíso.
FIM
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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0323


