Nº 0015 - ILHAS E SENTIMENTOS - CONTO

Naquela manhã de sábado após uma grande festa de aniversário na cidade do Rio Grande, Estriúla despertou com seus pensamentos envoltos em nuvens, ansiosa pela chegada de seu namorado que estava há dois anos em terras portenhas. O sol adentrava o pequeno ambiente onde ela residia, enquanto os vizinhos aproveitavam o calor do verão em seus quintais vestindo roupas de dormir. Estriúla, uma jovem de vinte e sete anos, sentia a saudade corroer seu olhar cada vez mais distante. Ela relembrava a canção que ecoava a última noite com seu amado, usando a mesma peça íntima desde aquele momento íntimo do casal, uma vestimenta que representava seus sentimentos fragmentados e aprisionados.

A espera por seu amor havia moldado a personalidade de Estriúla, especialmente quando percebeu que todos os seus amigos haviam desaparecido. Sozinha e sem inimigos aparentes, ela sobrevivia em meio a seus pensamentos e lençóis encardidos. Sua missão era fazer com que seu sentimento não se dissipasse até que seu esforço e dedicação fossem reconhecidos por seu amante. Apesar disso, ela percebia que talvez ele nunca mais regressasse aos seus magros braços, tão abalados pela ansiedade que ardia em seu peito. A moça vivia anestesiada pela insegurança, sem forças para justificar seu afastamento diário em relação a seu homem, refletida em seu rosto cansado e desalinhado.

Porém, conforme conhecia novos sites, Estriúla encontrava um novo brilho em seu olhar. Ela começou a viver novas experiências radicais, como tatuar totalmente suas costas com a imagem de Ícaro voando em direção ao sol. Recuperada de sua depressão, a jovem ganhou peso e seu corpo retornou às características do passado. Com o desejo de encontrar um novo amor, passou a postar fotos em vários sites e, com seu sucesso nas principais páginas da internet, recebeu convites e propostas para encontros na capital rio-grandense.

Após três anos de transformações, Estriúla se mudou para Montevidéu ao lado de seu novo parceiro. No entanto, em seu íntimo, ela ainda ansiava por algo mais. Decidiu abandonar tudo no país vizinho e viajar ao longo do litoral do Brasil, até que um dia chegou à ilha de Mayandeua. Utilizando suas habilidades artísticas, Estriúla montou um ateliê na ilha. Com o tempo, ela adquiriu um terreno e, um ano depois, inaugurou sua pousada cercada por cajueiros.

Em uma tarde tranquila, enquanto tomava mate à sombra das árvores frutíferas de sua pousada, Estriúla avistou a figura de seu amor entre a areia, imponente e conservado pela juventude que havia ficado para trás. No entanto, a imagem sempre desaparecia. Esse momento fez Estriúla refletir sobre todos os sonhos e momentos que passou presa a um sentimento. Ao mesmo tempo, fez com que ela reconhecesse que essa circunstância a tornou uma pessoa forte e determinada após a crise sentimental que enfrentou. Assim, todos os dias, Estriúla está lá na ilha de Mayandeua, tomando mate, à espera de seu maior pecado: amar um fantasma.

Mas o Papagaio Primolius, um símbolo da ilha, afirma que essa moça terá uma grande surpresa. E assim termina mais uma história da ilha, deixando no ar a curiosidade sobre o inesperado destino de Estriúla.  

FIM

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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0015