* Nº 0232 - TROVA DE CHUVAS EM MAYANDEUA - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA



Montaria deslizando suavemente no leito do Rio Marapanim. Ao redor, as margens parecem sorrir, como se guardassem segredos de um tempo em que homem e natureza ainda eram uma só canção. As árvores de mangue, esguias e altivas, rabiscam o céu com seus galhos sinuosos, enquanto versos invisíveis flutuam no ar, seduzidos pelo espírito de Mayandeua.  

Aqui, o rio não se apressa. Ele enche e esvazia, em um compasso sereno, alimentado pelas marés que dançam ao ritmo lunar. O vai e vem das águas é também o vai e vem da vida: peixes cortam a superfície reluzente, pássaros riscam o horizonte com suas asas, e as raízes da restinga abraçam o solo ribeirinho, como guardiãs do equilíbrio entre terra e água.  

Por aqui, tudo tem nome, cor e ritmo próprios. O glossário local é poesia viva: pixé, arubé, catimbó. Palavras que carregam em si o cheiro da mata, o gosto do sal e a força da cultura que pulsa neste canto do mundo. O pavãozinho-do-Pará, com sua plumagem discreta, canta harmonioso ao entardecer, enquanto as nuvens começam a cobrir o rio, anunciando o início da transição: a chuva chega, o verão parte, deixando o ar carregado de promessas.  

O homem, atento aos sinais, acalenta a mata com sua presença. Ele não domina; ele pertence. Cada caboclo que chega com sua montaria traz consigo a tradição, os gestos herdados dos ancestrais que aprenderam a ler o rio como se lê uma carta de amor. As canoas, leves e silenciosas, cortam os furos e igarapés, conduzidas por velas, remos ou motores  que se abrem ao vento, como se fossem as asas de pássaros alados sobre a água.  

Na Trilha Encantada, o caminho leva e traz visitantes, cada qual com suas histórias e sonhos. O Rio Marapanim, com seu remanso brando, acolhe a todos. Ele é generoso e imprevisível: ora fonte de fartura, ora cenário de adversidades. Mas, para quem vive ao seu redor, ele é mais que um rio. É uma entidade, um guardião, um compasso que rege a vida.  

As comunidades ribeirinhas – Algodoal, Camboinha, Fortalezinha e Quarenta – se preparam para uma nova estação. Cada canto tem seu ritmo, sua cor e sua alma.  Nas ilhas as  embarcações  são como bandeiras de paz que rasgam o horizonte. Em Camboinha, as redes de pesca se enchem de peixes e histórias. No Quarenta é o porto dos viajantes, onde as tradições ganham vida em cada gesto. E na Fortalezinha e Mocooca  são o silêncio reverente, onde o céu se abre com o vento que parece com um   abraço infinito.  

Enquanto isso, a chuva, inevitável e transformadora, vem alagando o horizonte. Não há pressa. Ela chega como quem sabe seu lugar, lavando as margens, regando os mangues e renovando a vida. O homem e o rio, tão diferentes e tão próximos, se encontram nesse momento de cumplicidade.  Ao final do dia, o vento brinca com as velas e faz dançar a romaria de canoas que risca o rio como uma procissão. É uma celebração silenciosa, um encontro entre o sagrado e o mundano, entre o presente e o eterno. Aqui, o Marapanim não é apenas um rio. É uma canção que se entoa com o coração.  

E enquanto a chuva insiste em cair, o mangue respira aliviado, as árvores se inclinam em reverência e o horizonte se desfaz em aquarela. Tudo está pronto para a próxima estação. E o rio, com sua paciência infinita, segue seu curso, ensinando a todos que a vida é, antes de tudo, um vai e vem de marés, remansos e encantos.  

- Novembro chegando!

FIM

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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0232

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