* Nº 0238 - OS VERSÍCULOS DOS OCEANOS - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA




Nas entrelinhas dos vocábulos, onde o silêncio ecoa tão alto quanto os sons, desenrola-se um evangelho peculiar. Parágrafos e vírgulas deixam de ser meras ferramentas gramaticais para se tornarem cores e formas, marcas d’água que se perdem e se refazem, como páginas de um livro desgastado pelo tempo e pela memória. Entre tonalidades e rasuras, surgem poemas que cantam histórias de carimbós e amores desfeitos, transformados em versos soltos. Os Oceanos, narradores antigos e pacientes, desvelam seus segredos em ondas que contam versículos de um evangelho peculiar. Retratos submersos alcançam a perfeição no silêncio das profundezas, onde a luz se refrata e cria mosaicos de cores imprevistas. Ali, a ordem e as leis do que é certo para os náufragos se dissipam, fragmentadas como pedaços de madeira à deriva. Expressões grifadas emergem das águas, retribuindo dilemas que transcendem o humano. Conservar ou destruir? A pergunta ecoa entre as ondas, enquanto leis tentam capturar a fluidez de algo indomável. Contudo, os versos soltos resistem, como emoções livres que desafiam as regras.

Nas páginas do Evangelho dos Oceanos, não há segredos em búzios ou caracóis. O mar não é guardião de mistérios ocultos; ele é um espelho escancarado, refletindo tanto a fertilidade de algas que nutrem quanto o sufoco de sacolas plásticas que as enredam. A cada manhã, segundo a cadência das marés, tudo se reorganiza, se recria. A ilha de Mayandeua permanece, resistente, envolta em suas pedras e raízes mangais, testemunhando o ir e vir das ondas. Ela vê os náufragos da vida tentando reconstruir o que restou, fragmentos de suas naus e de suas esperanças.

Quando o horizonte decai, marcando o fim do dia, o tempo imprime vírgulas e onomatopeias no velho papel da existência. As palavras, ainda que soltas, são marcadas por uma cadência que só o oceano entende. Fotografias, tal como retratos esquecidos, ganham vida ao serem perdidas. Há beleza no que é submerso, no que foi deixado para trás. As memórias, como uma Polaroid desbotada, capturam instantes de uma natureza que, em algum momento, parecia invencível.

Mayandeua, em sua essência, é uma metáfora para a luta entre preservação e destruição. Suas raízes mangais, entrelaçadas como mãos que rezam, continuam a sustentar a vida, mesmo sob o peso do descaso. É um lembrete constante de que conservar não é apenas necessário – é um ato de poesia, de respeito. Enquanto houver quem escreva sobre ela, enquanto houver quem a fotografe, Mayandeua resistirá. E assim, o Evangelho dos Oceanos continuará sendo escrito em ondas, em versos e em silêncios. A mensagem que ecoa, em cada maré e em cada página, é clara: preservar é um ato de fé no futuro. No evangelho do mar, o náufrago encontra sua redenção, não nas respostas, mas na contemplação do que resta. Entre as algas, as sacolas plásticas e as raízes mangais, há uma história que persiste. E enquanto houver poesia no coração dos homens, Mayandeua continuará a inspirar – uma ilha, um símbolo, uma resistência viva. 

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FIM

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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0238

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