*N° 0234 - LETÍCIA E AS ESTRELAS - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
Na pequena varanda, Letícia, filha de um famoso pescador da ilha, sentava-se com uma almofada no colo. Aos treze anos, a menina esvaziava os pensamentos ao sentir a brisa de Mayandeua. Sabia que o vento de setembro estava a caminho, pois os cajueiros já estavam carregados e multicoloridos. Logo, o inverno também chegaria à região. A vida de Letícia era marcada pelas interpretações das histórias que narrava ao longo do dia para suas bonecas, que estavam segmentadas pelo tempo.
Ao final das tardes, Letícia se refugiava em sua casinha, acomodada em cima de um mangueiro. Dali, contemplava o horizonte e o mar. Além dele, podia ver outras praias com suas luzes piscando conforme o tempo. Ela permanecia ali, tão compenetrada, observando as pessoas e suas competências, especialmente suas molduras de seres humanos sérios e despretensiosos quanto aos sentimentos normais.
No seu íntimo, Letícia se confortava ouvindo o pequeno rádio de pilha, tentando entender as notícias daqueles pontos luminosos distantes. A caixa de som e vozes alimentava seus sonhos. Nesse cenário, a menina imaginava diariamente novas imagens que pudessem traduzir seus anseios. Nos dias de muito calor, Letícia alinhava pacientemente suas bonecas, narrando novas histórias para seu público de plástico. Passava horas no mangueiro, inventando mundos agraciados pela esperança de persuadir suas bonecas de que um dia poderiam ter tudo o que desejassem, simplesmente por acreditar nas estrelas.
O cotidiano de Letícia era pontuado pelos comentários que ouvia nas notícias diárias. Em momentos de grande solidão, cantava várias melodias para suas bonecas, para que não se sentissem inseguras em suas vidas nas caixas de sapato. Seus sonhos eram confiados às estrelas. Quando não podia vê-las, desenhava os astros em seu caderno de anotações de histórias e sonhos. À noite, após o simples jantar e lavar a louça, Letícia se preparava para mais algumas horas na cadeira da varanda, iniciando a narrativa de suas histórias e segredos para as estrelas de Mayandeua. Contava aos astros que sua família sempre enfrentou dificuldades para suprir suas necessidades, mas eram muito honestos. Não possuíam muitos confortos, como eletrodomésticos simples para outras famílias. No íntimo de Letícia, seus desejos eram complementos de sua humilde felicidade fabricada naquele canto distante. Sabia que só poderia alcançar seus desejos através das histórias que narrava e de seu amor pelas estrelas. Essa era sua profissão. Letícia, apesar de sua pouca idade, reconhecia sua responsabilidade pelas pessoas ao seu redor e, por isso, seus pedidos eram para todos.
O tempo passou, e a jovem Letícia percebeu que as estrelas talvez estivessem cansadas de suas histórias e desejos. Talvez o brilho de suas aspirações tivesse infringido as regras das estrelas, comprometidas com outras Letícias do mundo. A menina passou a desfragmentar seus anseios e propostas para melhorar a vida com sua família. Ao reconhecer que queria demais das estrelas, Letícia começou a evidenciar outras narrativas para elas, iniciando uma nova fase de suas conversas automatizadas através da natureza e do rádio. Reconheceu que as estrelas não interpretaram suficientemente seus desejos. Na realidade, ela só queria compartilhar sua felicidade com outras pessoas através de seus pequenos sonhos de consumo.
Aos treze anos, Letícia nunca mais confessou seus anseios às estrelas. Suas histórias ficaram guardadas em seu caderno, marcado por lágrimas. No entanto, suas bonecas continuavam fortes. Segundo Letícia, estavam sendo preparadas para uma nova fase de suas vidas. E assim o tempo passou. Hoje, Letícia continua a ver o mar de Mayandeua, mas como oceanógrafa, sua profissão. Enquanto isso, as estrelas e suas bonecas estão guardadas em seu íntimo, pelo amor que tem por seus pais e pela ilha que dedicou toda a sua infância.
- E assim narrou Primolius.
FIM
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Projeto Literário e Musical Primolius N° 0234