* Nº 0255 - LA BARQUE DU PÊCHEUR - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
No tempo das águas frias, o sossego...
Assim vaga o barco, traçando seu fadário com acerto. Leis dessas ilhas, dos pescadores e dos ciclos. Em suas madeiras cortadas ou rachadas, ele profere as frases do dia. Presumindo um novo porto, navega em delírios, buscando estrelas e luas, sem jamais empacar, pois segue fiel ao seu destino.
No tempo das águas mornas, o marulhar...
Assim vaga o barco, conduzindo o destino ao cais. Lei destes lugares, das pedras, da chuva que, nas noites escuras, faz versos ao ritmo dos ventos fortes. O barquinho valsava entre as marés, afastando o pior por meio de boleros e marchinhas. Solucionava seus enigmas enquanto, em sua popa, dançavam exclusivamente águas.
Era um barco pequeno, feito de madeira antiga e marcado pelo tempo. Os pescadores da vila o chamavam de *"La Barque du Pêcheur"*, numa referência simples, quase melancólica, às glórias passadas no mar. Alado, ele abraçava as frentes frias, escoltava o campo azul do horizonte com liberdade. Em suas velas peregrinas, absorvia o sabor do sal em suas vestes. Não era apenas um barco; era memória, era vida. Lembrava aos mais velhos um tempo em que o mar era mais generoso e os dias menos apressados. E ainda assim, lançava-se ao mar... Avante! Era a ordem de todos os dias.
No passado, sem cerimônias, o barquinho perfilava suas serenatas nos trapiches. Seus limos adentravam o velho timão, mas ele seguia sempre, confinado na própria nostalgia. Nas noites calmas, parecia sussurrar segredos do oceano àqueles que ainda acreditavam nas lendas do mar. "Vadio", diziam alguns quando ele demorava a voltar. Demolía castelos na areia com o mesmo descuido com que o tempo derruba sonhos. Mas, no fundo, era amado. E os peixes? Ah, os peixes “aplaudiam nadadeiramente”, como se agradecessem as jornadas que o barco lhes proporcionava.
Uma vez, em uma tarde de inverno, um jovem capitão, tomado pela melancolia, sentou-se à beira do cais e observou o barquinho. Era o mesmo que pertencera a seu avô. Ali, entre suspiros e saudades, refletia sobre o tempo e o mar. *“La Barque du Pêcheur”*, murmurou. O nome tinha gosto de poesia. O velho barco, mesmo desgastado, continuava sendo um símbolo de esperança e resistência.
O tempo passou, mas o barquinho seguiu. No mar, enfrentava tempestades e acariciava ondas serenas. No cais, guardava silêncio e memórias. Era um suspiro de saudade para seu capitão e também um lembrete de que o mar nunca esquece seus filhos.
Agora, o pequeno barco repousa em suas viagens. Mas, para quem o olha com cuidado, ele não está parado. Em cada rachadura da madeira, em cada vela desgastada pelo vento, ele continua contando histórias. Histórias de um mar sem fim, de pescadores esperançosos, de dias de luta e noites de calmaria. Porque, no fim das contas, é isso que faz uma barca: leva o homem e sua alma ao encontro do horizonte. Sempre avante, sempre ao mar.
E do outro lado das águas...
A saudade.
FIM
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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0255