* N° 0062 - COIVARANDO TUDO! - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
O fogo, língua alaranjada lambendo a vegetação derrubada. A fuligem subindo em espirais, carregando o cheiro acre da vida que se esvai. No lugar onde antes a mata se erguia densa e fechada, agora o chão fumega, um leito de morte úmida sob a luz crua do sol. Coivara. A palavra ressoa, carregada de história e de uma promessa ambígua de fertilidade no rastro da destruição.
O tempo corre diferente ali. O "primeiro dia" da intervenção humana instaura uma nova ordem, a busca pela "produção moderna" que transforma a floresta virgem em "mata vazia". O silêncio que se instala é um grito abafado, a ausência sentida no voo errático das aves desorientadas, como marinheiros perdidos em um mar de fumaça. A vida, antes exuberante, agora naufraga na fuligem.
A memória da exploração ecoa na menção aos "marinheiros escravizados", um paralelo sombrio com a subjugação da natureza. E o fogo persiste, dançando sobre os restos, um "eficiente fogo" que consome a intrincada "arquitetura queimada" da mata. O que antes era complexo e interconectado torna-se um passatempo moderno, talvez um cálculo frio de custos e benefícios, enquanto a fumaça paira, indiferente, indo e vindo com a brisa.
"Mata era fechada, -Mata era virgem, -Mata agora mata." A constatação, quase um epitáfio, revela a inversão trágica. A fonte de vida se torna palco da morte, um reflexo da ação humana que, em sua ânsia por transformar, acaba por destruir.
"Num breve tempo..." A velocidade da devastação contrasta com a lentidão da regeneração. O que levou séculos para florescer é consumido em horas. E o resultado é doloroso: "Aqui jaz... Ela. Ou o que sobrou." A floresta, tratada como um ser que se extinguiu, deixando apenas a lembrança de sua grandiosidade.
Resta, na paisagem desolada, a imagem pungente: "Um passarinho procurando uma árvore." A pequena criatura, símbolo da vida que teima em persistir, confronta o vazio, a ausência do lar. Um lembrete silencioso do que foi perdido e da fragilidade da natureza diante da força implacável da intervenção humana. A coivara, mais do que uma técnica, revela uma ferida aberta na alma do planeta Amazônia.
FIM
Copyright de Britto, 2020
Projeto Literário e Musical Primolius N° 0062


