* N ° 0078 - EM ALGÚM LUGAR DA VILA - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA
Naquela noite, a lua parecia maior, mais brilhante, como se estivesse em conluio com o universo para iluminar cada canto do mundo. O caboclo Jycres, com seus passos lentos e firmes, cruzava o terreiro de terra batida, observando o céu com reverência. A lamparina ao lado de sua rede balançava com o vento, projetando sombras que dançavam como espíritos invisíveis.
Jycres era homem de poucas palavras, mas de coração vasto, que acolhia as histórias contadas pela mata, pelo mangue e pelo rio. Ele sentia a maré subir ao longe, preenchendo os furos e nutrindo o mangue. Cada movimento da natureza parecia um sinal, um verso de uma cantiga antiga. E naquela noite, sob a lua cheia, ele sabia que algo estava por vir.
Do terreiro, Jycres ouvia o banzeiro batendo contra as pedras, o som ressoando como tambores chamando para uma celebração. “A lua não traz só claridade”, pensava ele, “traz vida, mistério e histórias que nunca terminam”. Lembrou-se do boto, que, segundo os antigos, virava gente nessas noites, esbanjando charme no arraial.
No mangue, as raízes pareciam aplaudir os ventos, criando um ritmo que ele conhecia desde menino. Mais ao fundo, o som dos curimbós ganhava força, e o cheiro de mingau de milho e peixe assado chegava até ele como uma promessa de festa.
Jycres parou. Na sua frente, a cabocla Marinha, com um sorriso tímido, olhava para o chão, fingindo desviar-se de seu olhar. Ele, sem jeito, coçou a nuca. A luz da lua fazia os cabelos dela parecerem um rio de prata.
— Oi, Marinha... — disse ele, tentando disfarçar o nervosismo.
Ela apenas sorriu. O silêncio entre eles não era desconfortável; era cheio de coisas que as palavras não podiam explicar.
De repente, os tambores ficaram mais próximos, convidando todos para o arraial. As meninas se ajeitavam, rindo e cochichando, enquanto os meninos preparavam seus melhores passos para o carimbó. Jycres, sem se dar conta, já estava oferecendo a mão a Marinha. Ela aceitou, e juntos seguiram para a festa.
Naquele arraial, entre histórias sussurradas e músicas que ecoavam entre as árvores, Jycres percebeu o poder daquela lua. Não era apenas luz. Era magia. Era vida.
E quando a noite terminou, ele entendeu que as coisas mais simples — uma dança, um sorriso, o som dos tambores — eram também as mais grandiosas. Sob a lua cheia, tudo tinha seu brilho, e a vida, mesmo na quietude da mata, era uma eterna celebração.
- Curupira chamando lá no fundo da mata... Vixe!
FIM
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Projeto Literário e Musical Primolius N° 0078


