* N° 0022 - VIENTO URUGUAYO - SÉRIE: CONTOS DE MAYANDEUA

Silêncio na varanda de flores vermelhas. No céu havia a incumbência da natureza devastar o chão com gotas fortíssimas com a chegada do mês de novembro nesta terra tão remota. A casa estava silenciosa como sempre. De vez em quando o vento sabotava barulhos involuntários pertinentes ao temporal que não custava chegar. Dentro da casa a figura compassiva da Sra. Azevedo com as suas vestes estampados de desenhos abstratos e muito coloridos. Na varanda os seus passos acompanhavam a aragem de acordo com as trivelas das oito janelas predestinadas ao tempo indeciso das chuvas. Logo após cerrar todas as janelas da casa centenária a Sra. Azevedo acomodou-se na sacada. Sentada na cadeira de balanço que a acompanhava a cada final de tarde em oitenta anos advindos de muito trabalho e de muitas sequelas de amores e pedaços de felicidade.
O céu parecia ocultar a força da anciã, entretanto, os olhos de Azevedo voltavam-se aos cata-ventos que saboreavam a força dos movimentos eólicos tão perfeitos em suas jornadas marcadas nas terras do longínquo Uruguay. De olhos fechados Azevedo sorria apressadamente enquanto o vento acariciava o seu rosto onde supostamente deliciava-se com todo o perfume dos verdejantes arredores de sua propriedade herdada de seus genitores. 
Azevedo cresceu por entre o gado e desde a sua infância assegurou que a força do trabalho dignificava a razão de existir neste mundo tão repleto de inseguranças e de pessoas pérfidas. Bem como, aprendeu com os seus pais que a vida nada representava sem a garantia de viver bem, através das obras elencadas pela índole e a paz interior adentro de uma ascendência fraternal.
Aos quinze anos suportou a dor de perder os seus genitores por um raio que os atingiu no campo aberto da propriedade. Ciente de suas obrigações passou a direcionar as escalas de trabalho de sua criadagem e peonada.
Deste modo, ainda jovem seguindo as Leis de seus genitores, conseguiu ser venerada por seus trabalhadores por sua excelência em continuar a respeitar os direitos pessoais de seus subordinados, no entanto, com o tempo as invernadas deflagraram a sorte da propriedade pela falta de comprometimento de alguns peões que afanavam grande parte do gado da estância para vender para outros comerciantes na fronteira com o Brasil. O tempo adveio rapidamente e aos vinte anos, Azevedo perdeu toda a criação de seu domínio. Por seguinte os empregados a abandonaram pela falta de bonificações financeiras.
Pela primeira vez a jovem de olhos castanhos claros ficou desamparada em seu mundo longínquo para muitos. No âmago de Azevedo a realidade chegara de uma maneira mais trágica, pois não sabia o que fazer ao se encontrar desarrimada por sua própria gente. Irritada passou venerar a solidão pela traição e a truculência de Deus.
No laço de passagens incertas Azevedo sujeitou-se a gritar com o vento com palavras esdrúxulas extravasando todo o seu ódio nos arredores de sua terra, outrora, repleta de energias positivas que agasalhariam até mesmo o mais incrédulo homem deste planeta. No entanto as ilusões temporárias de sua juventude estavam alucinadas por novos conhecimentos com o resto mundo. Desprovida de fé e de recursos financeiros Azevedo passou a cavalgar por entre a região sempre em cancha reta onde muitos acreditavam que a jovem estava alucinada em campear por algo que não estava em seu mundo de verdes horizontes. Por certo muitas vezes alguns estancieiros viram Azevedo montada em seu tordilho totalmente á pelo e repleta de caña na cachola.
Numa crescente repressão por parte dos moradores da pequena cidade, Azevedo resolve mudar-se para o Brasil onde por meio de contatos na região fronteiriça conheceu algumas pessoas vinculadas ao turismo internacional daquele país. Neste contato, Azevedo permitiu-se abandonar o Uruguay por razões aparentes de muitas decepções ocorridas no decorrer de sua puberdade. Assim no recôndito de sua personalidade Azevedo deixou o Uruguay numa manhã fria de novembro, levando apenas alguns vinis de Zitarrosa.
Ao chegar a uma das principais capitais do Brasil Azevedo reinicia a sua vida com uma energia renovada, no entanto, esta mudança paulatinamente mudava a rotina da Oriental da noite para o dia com tantas novidades que acontecem em uma cidade grande. Com o seu sotaque e beleza de uma mulher uruguaia Azevedo passou a frequentar muitas boates na região metropolitana, iniciando assim, uma vida de caminhos defeituosos e inconstantes. Os anos correram e Azevedo já não era mais a mulher advinda das terras de Zitarrosa e Viglietti e aos poucos esquecia todas as maravilhosas culturas de sua terra dos ventos. Portanto, Azevedo infelizmente transformara-se em um segmento que para muitos não havia valor social. Transformara-se em dançarina numa das principais cidades da América do Sul.

O brilho da uruguaia aos poucos engendrava o cansaço da radicalidade de seu trabalho. Por muitas vezes Azevedo tentara relembrar de sua família e seu país. No entanto, sua disposição misturava-se com a animosidade e a exaltação através remédios que passou a consumir para enfrentar a sua nova labuta. As atividades de Azevedo regiam uma vida de estrema adrenalina especialmente quando viajava para outras capitais do Brasil e outros países latinos. Deste modo, Azevedo aprendera e ensinara para muitas de suas companhias que a vida na realidade era um fato múltiplo de circunstancias que às vezes não escolhemos, apenas nós a realizamos. Somando-se a isso, após quinze anos, Azevedo decide numa manhã de ressaca emocional retornar as suas procedências.
De volta a sua terra, Andréia passa a revigorar a sua estância. Apesar de anos abduzida pelas facilidades de uma cidade grande, Azevedo impetrara com dificuldade redirecionar as tarefas de sua propriedade, pois, apesar de ter consentido a responsabilidade das terras para alguns parentes os mesmos não se incumbiram de prestar nem mesmo à manutenção da principal casa da estância. A despeito de sua vida no Brasil Azevedo impetrou lucrar certa quantidade em dinheiro, assim com as suas economias conseguira comprar um trator usado e vinte cabeças de rês e para reestruturar o tempo perdido na referida propriedade. Com a sua chegada os cidadãos do município passaram a olhar com certo respeito pela mulher que retornara após ter conhecido vários países. Para muitos, Azevedo teria acumulado muito dinheiro através de seu trabalho como grande empresaria no Brasil e na Guiana Francesa, para outros, a uruguaia teria se transformado em uma mulher de muitas prendas, principalmente por sua beleza Guarany. Aos poucos Azevedo prefigurava a sua estrutura de paisana daquele país. Em seu intimo o código cultural oriental nunca havia rompido de suas veias de mulher da terra. Tal sentimento destinava-se aquela mulher de cabelos negros. Apesar de sua vida agitada nas cidades, nunca deixou de ser dona de uma sensibilidade poética ao sentir o vento úmido em seu rosto, onde relembrava a sua infância entre os seus.

Assim, mesmo distante dos seus paisanos relembrava constantemente que tudo poderia ser diferente se o destino tivesse elencado para ela uma puberdade normal entre os campos e seus genitores. A principal casa da estancia mantinha a sua opulência nas fachadas. Após cinco anos de seu retorno da cidade, Azevedo muitas vezes sentira-se deslocada de sentimentos e desejos devido à labuta diária para conseguir a sua meta pessoal. Para sanar a sua abstinência, fazia a sua leitura diária de obras clássicas e filosóficas. Assim com esta estratégia conseguia harmonizar a sua consciência e sua nova dignidade de mulher renovada.
O inverno chegara forte naquele ano, Azevedo mirava com deleite a nova imagem das terras que legara. A estância foi reabilitada com muita diligência e afeto dos peões e criadagens. No interior do antigo casarão lá estava Azevedo em sua cadeira de balanço passada por seu genitor onde serenamente sorvia o mate enquanto rememorava a sua vida em terras peregrinas. Por um período Azevedo pensou que a vida verdadeiramente era admirável quando a afeição tornava-se realidade ás aspirações.

Assim, recordando os seus experimentos, inesperadamente chorou por reconhecer que a sua prosperidade sempre permaneceu ali na sua frente. No entanto, não se arrependia de nada que concretizara fora de sua pátria. Naturalmente Azevedo sentia certo vazio nas horas em que estava só e admiravelmente sentiu a necessidade de encontrar um homem para partilhar a sua felicidade através de um matrimonio. Contudo, não havia por aquelas bandas alguém que despontasse certa simpatia. 

No entanto, numa manhã, Azevedo já despontava os seus quarenta e três anos quando viu entrar na estância por entre a sombra dos bambuzais um homem que cavalgava com maestria um cavalo tordilho. Foi amor à primeira vista. Ao chegar a principal entrada do casarão o homem encilhou com as pisadas fortes ao chão de barro, tirou o chapéu e cortejou de longe Azevedo, pedindo a permissão para adentrar na principal casa da propriedade. Azevedo com maestria faz o aceno de aceitação da chegada do homem incógnito. Ao maravilhar-se de perto o homem com toda a sua ilustração de trabalhador de invernadas, Azevedo projetou-se em sua infância onde sonhara com historias universais de cavalaria. Os dois entreolharam-se com uma extravagante energia que só mesmo o Amor poderia elucidar o brilho de seus olhos famélicos. Assim, Azevedo pela primeira vez sentiu o cheiro de Simão, um homem vindo do Norte das entranhas do Marajó, entretanto, o vivente nascera em Mayandeua que também trazia a essência do homem do mar. Ao adentrar na varanda e por segundos imaginou que a epiderme do homem transpirava toda a essência de uma força que certamente fazia parte de sua nova vida. Com as mãos suadas e trejeitos desconcertantes, Azevedo apertou a mão do homem e por um momento relembrou da trágica morte de seus pais. No entanto naquele momento, sentiu-se novamente resguardada ao escutar a voz tépida do homem onde com estrema candura beneficiava em palavras firmes aquele momento tão real e ao mesmo tempo tão impetuoso na alma daquela mulher expelida há anos de emoções.
Ao apresentar-se para a proprietária e direcionar o desígnio da visita. Simão foi convencionado para direcionar determinadas ocupações na estância. Com a chegada do homem, percebeu que poderia ser ainda mais feliz por conta de um sentimento que aflorava o peito da formosa prenda uruguaia. Próximo ao Mayandeuense, Azevedo sentia-se livre ao fazer ingressar aquele sentimento em sua vida. Mesmo em segredo, aquela majestosa mulher, já sorria como outrora por toda a estância. No fundo a sua felicidade era admirável, conseguindo assim, mais uma etapa de sua paz sentimental. Simão com o tempo passou a compor as principais tarefas da estância. Sua dedicação compartilhava com os desígnios de sua empregadora. Todavia, apesar de sua presença ao lado de Azevedo, Simão não evidenciava a mesma relação sentimental por sua patroa e exclusivamente o respeito penetrava naquele espírito árduo de peão. Assim, através de muitas palestras através do mate, Simão e Azevedo passaram a ter os seus momentos íntimos, iniciando assim o começo de uma nova historia para a estância “Cata-ventos”.
Com o tempo Simão adotou a licença de Azevedo de contemplar o principio de uma nova vida por mérito que sobressaia a cada dia com a sua agudeza, vivacidade e envergadura de arquitetar novos rumos para o patrimônio de sua amada. Assim, com dois anos de convivência nos trabalhos, Azevedo e Simão casaram-se em uma cerimônia simples, entretanto, com uma grande riqueza de sentimentos de ambos. A Estância Cata-Ventos tornou-se uma das principais exportadoras de gado de seu departamento. Azevedo e Simão confraternizavam sempre no final da tarde mateando as suas historias com grande alegria e principalmente a harmonia de suas afinidades de marido e mulher. No entanto, após vinte anos de matrimonio Simão é acertado pela mesma arma da natureza que extinguiu os seus genitores. Em campo aberto, Simão recebe um raio ao peito, falecendo sem poder mirar a sua amada que estava a quilômetros de distancia de suas mãos.
Ao receber a noticia, Azevedo manteve-se tranquila por estar acostumada por estes fatores dramáticos de sua vida. Assim, com uma grande força participou de todas as honras direcionadas ao seu peão amado. Os anos passaram com certa paz na estância. Azevedo apesar da idade conseguira concentrar as suas forças na manutenção de suas terras.
Na varanda, Azevedo permanência sorvendo o seu mate onde às vezes conversava com o vento e vislumbrava os cata-ventos de sua propriedade que a deixavam calma e principalmente viva.
Até os dias de hoje Azevedo mateia e conversa com os cata-ventos na esperança de sentir novamente a epiderme do seu amado. E quando o sol deita-se no leito Oriental, Azevedo relembra do Mayandeuense na cadeira e adormece com uma nostalgia que só mesmo o amor poderá explicar.

- A estância dorme em paz!


FIM

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Projeto Musical e Literário N° 0022

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