*N° 0044 - UMA HISTÓRIA, UMA ESTÓRIA - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
Um porto distante, quase um sussurro na linha do horizonte, surge como um refúgio inalcançável em meio à vastidão do mar agitado. Ventos furiosos cortam o ar, trazendo consigo o cheiro salgado da maresia, que se mistura ao rugido incessante das ondas. A rabeta de uma embarcação, pequena diante da imensidão, balança violentamente ao sabor das correntes, enquanto a tripulação, com olhos arregalados, encara o desconhecido.
Essa é uma estação diferente, uma época marcada pela aventura e pela incerteza. Mayandeua, uma ilha envolta em lendas e mistérios, parece agitar-se ainda mais com as águas do mês de setembro. O vento sopra de todos os lados, carregando consigo as vozes do passado, histórias de navegantes que cruzaram essas mesmas águas em busca de fortuna ou fuga. No horizonte, uma joia verde-esmeralda brilha por entre as nuvens, mas é apenas uma miragem, um vislumbre do que se esconde além do véu do oceano.
Por terra, Mayandeua guarda seus segredos nas dunas cativantes, onde cada grão de areia parece sussurrar promessas e perigos. Ao mar, os banzeiros – aquelas ondas traiçoeiras e repentinas – agitam-se sem descanso, como se as próprias águas estivessem inquietas, cobertas por camadas de histórias não contadas, visagens e atmosferas carregadas de presságios. As águas, eternas e implacáveis, guardam tesouros do longínquo e do inesperado, e seus movimentos constantes parecem encenar uma dança macabra entre o conhecido e o misterioso.
Por todos os lados, a presença do mar domina, ora calmo, ora feroz. As águas não cessam, percorrem o mundo como mensageiras de histórias antigas, de viagens que desafiaram o tempo e o espaço. Lá, no mar alto, onde o céu se funde com o oceano, há um porto de chegada que parece sempre se afastar, uma promessa de salvação que se dissolve à medida que as ondas avançam.
O mar está agitado, em revolta. Os crucifixos, pesados no peito dos marinheiros, são apertados com força, enquanto orações desesperadas escapam de lábios ressecados. As vozes dos homens se misturam ao som do trovão, criando um coro de desespero que ressoa nas profundezas do Atlântico, ao redor de Mayandeua. Relâmpagos cortam o céu, iluminando brevemente o cenário de caos, enquanto a embarcação luta para manter-se à tona, desafiando a fúria dos elementos.
E assim, no meio do tumulto, os gritos se transformam em murmúrios, em uma última súplica ao desconhecido. O mar, implacável e insondável, parece engolir tudo, e o destino da embarcação se perde nas águas escuras. O tempo avança, e apenas aqueles que sobreviverem poderão contar sua história – ou estória – seja ela real ou fantasiada, um relato de bravura ou uma advertência aos que ousarem desafiar as águas de Mayandeua.
Assim se desenrolou o mês Mayandeuense, um período marcado pela luta entre o homem e o mar, pela fragilidade da existência frente às forças da natureza, e pelas histórias que emergem das profundezas, quando a última palavra já foi dita e o silêncio do oceano prevalece.
Era uma vez uma embarcação...
E da boca dos marinheiros,
Uma derradeira oração...
E quem viver narrará a sua história ou estória...
(Mais um “alagamento”)
- E assim foi naquele mês Mayandeuense.
FIM
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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0044