*N°0219 - SETEMBRO MAYANDEUENSE - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
O silêncio paira sobre as trilhas da ilha, como um véu que acalma e protege a natureza em sua rotina diária. Nas manhãs tranquilas, os currais estão abarrotados de peixes, um testemunho da generosidade do mar que cerca a ilha e sustenta seus habitantes. Nos quintais, os xerimbabos, pequenos animais de estimação locais, convivem em harmonia com a paisagem rica de cajueiros e açaizeiros, que enchem o ar com o aroma doce e familiar dos frutos da terra.
É feriado municipal, um dia em que a ilha parece respirar com mais tranquilidade, como se o tempo desacelerasse para permitir que todos apreciem as belezas naturais que os rodeiam. Os mariscos são coletados nas águas calmas, enquanto os cajueiros e açaizeiros se destacam no horizonte, oferecendo suas dádivas aos que passam. Os pescadores, figuras de fé e tradição, guardam pacientemente a entrada de seus currais, onde o mar deposita a promessa de sustento e fartura.
O céu sobre a ilha é um mosaico de cores vibrantes, com pássaros de plumagens vermelhas, brancas e cinzas que dançam ao sabor do vento. As penas destes seres alados se movem como versos de uma poesia invisível, compondo uma sinfonia silenciosa com o sopro da brisa. Nos extremos da ilha, onde o vento é mais forte, os urubus dormem saciados, após banquetearem-se com os peixes deixados ao relento. É um silêncio que se estende pelos lagos e igarapés, um cenário que reflete a serenidade de Setembro, um mês que desperta a vida e a natureza em sua plenitude.
A ilha acolhe aqueles que madrugam, abraçando-os com a promessa de um dia escaldante, típico de Setembro, que faz o despertar de muitos no centro da ilha. As crianças, cheias de energia e vida, brincam de pira nas vilas, suas risadas e gritos enchendo o ar e reverberando como um prenúncio do futuro que as aguarda. Nos campinhos de futebol, cobertos de poeira e marcados por tocos, os meninos interrompem seus caminhos para se juntar à brincadeira, deixando de lado as preocupações do mundo por alguns momentos de pura diversão.
À medida que a tarde se aproxima das quatro horas, o movimento nas vilas diminui, e as famílias se preparam para o jantar. Os peixes, expostos em suas redes, esperam para ser preparados, enquanto outros crustáceos são trazidos em cestos plásticos, lavados e selecionados com cuidado. No girau, o sal é exposto para a preparação, enquanto lenhas cortadas alimentam as imensas panelas que exalam o aroma tentador do camarão da ilha. É a hora de tomar um trago de café e conversar, um momento de pausa onde as histórias fluem tão naturalmente quanto a maré.
Enquanto o camarão cozinha, mais conversas chegam, mais cestas de frutos do mar são entregues, e assim os quilos e quilos de camarão que sairão da ilha na madrugada são preparados. Para os caboclos, há um sossego na cabeça, a certeza de que o trabalho de hoje garantirá o pão de amanhã, seja para pagar ou para comprar o que aspiram. Assim é definido este momento de muitos na ilha, um ritual que se repete com a mesma serenidade do passar dos dias.
À medida que a noite se torna mais intensa, os pássaros se recolhem, chocando a natureza com suas canções noturnas, enquanto os carapanãs, implacáveis, cumprem sua sina de atormentar os que ainda estão acordados. No quintal, Tia Maria começa a contar suas histórias, envolta na penumbra da noite, enquanto na cozinha, Tia Santa continua a tradição, narrando histórias diferentes, maravilhosas, do interior. São momentos mágicos, onde o passado e o presente se encontram nas palavras e nas memórias compartilhadas.
A lua surge lentamente na madrugada de Setembro, lançando sua luz prateada sobre as casas de palha, onde o primeiro bule de café já está sendo preparado. O silêncio volta a dominar os caminhos da ilha, interrompido apenas pelo canto do pavãozinho, que inicia seus primeiros concertos sonoros. Dona Santa prepara o café com pães caseiros, enquanto os homens enrolam seus fumos, prontos para enfrentar mais um dia.
As vasilhas de querosene são enchidas, e o nascer da manhã chega rapidamente, trazendo consigo o começo de um novo ciclo. No fundo dos quintais, as privadas improvisadas são usadas, enquanto as árvores frutíferas continuam a alimentar as mucuras que não dormem. A macaxeira é cortada, e às vezes uma farinha de coco é degustada com o café da manhã, uma iguaria simples que traz conforto e satisfação.
O silêncio se mantém na nova manhã de Setembro que vai chegando, trazendo consigo a promessa de mais um dia de trabalho e de vida na ilha. Os currais estão novamente cheios de peixes, os quintais ainda abrigam os xerimbabos do Sal, e o feriado municipal já passou, mas a rotina da ilha continua. Os mariscos, os cajueiros e os açaizeiros permanecem como testemunhas silenciosas da vida que se desenrola ao seu redor. As águas verdes e azuis da maré distante refletem a tranquilidade do lugar, enquanto os pescadores voltam mais uma vez para a entrada de seus currais, prontos para mais um dia de labuta.
O vento sopra de todos os lados, forte e incessante, trazendo consigo o espírito de Setembro, o mês que marca a vida na ilha de uma forma única e inesquecível. Setembro "de aqui", um tempo que pertence à ilha, à sua gente, e à sua natureza, que se entrelaçam em um eterno ciclo de renovação e sobrevivência.
Vento, vento, vento...
Por todos os lados!
- Setembro “de aqui!”
FIM
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Projeto Musical e Literário Primolius N° 0219