*N° 0071 - ROLADEIRAS DO TEMPO - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
Naquela manhã de sol intenso, a vila fervilhava de uma energia vibrante e contagiante. As vozes agudas e cheias de vida das crianças ressoavam pelas estreitas ruas de terra batida, enchendo o ar com uma alegria que parecia transbordar de cada canto. Os meninos, com olhos brilhantes e sorrisos largos, corriam de um lado para o outro, segurando firmemente suas "latas vivas", pequenos tesouros artesanais, cuidadosamente confeccionados com mãos pequenas e suadas, fios encardidos e uma boa dose de imaginação.
As roladeiras, essas criações únicas feitas de latas recicladas e arames, arrastavam-se com orgulho pelo chão, acompanhadas por uma sinfonia de risos e exclamações de puro entusiasmo. Em certos momentos, duas ou três roladeiras se encontravam no caminho, e juntas, com seu peso e sua inocência, pareciam desafiar a gravidade, quase flutuando sobre o solo. Pintadas com cores intensas e vibrantes, cada uma delas era muito mais do que um brinquedo; eram expressões de liberdade, símbolos do poder criativo das crianças.
Com areia e pequenas pedras seladas dentro das latas, esses brinquedos improvisados produziam sons únicos e inesquecíveis a cada movimento. Era como se as roladeiras tivessem uma vida própria, cada uma com sua melodia particular, uma composição improvisada que acompanhava os meninos em suas aventuras matinais. As tampas bem fechadas garantiam que o conteúdo ficasse seguro, e a cada impacto contra o chão, cada corrida frenética pelas ruas, era como um chamado para novas invenções, novas histórias.
Os meninos, com sua imaginação fértil e sem limites, transformavam qualquer cenário em um campo de batalhas épicas, em jornadas de exploração ou em corridas eletrizantes. Cada momento vivido ali, entre latas, risadas e poeira, se tornava uma lembrança valiosa, um tesouro guardado para os anos vindouros. As roladeiras não eram apenas brinquedos; eram cúmplices na criação de um mundo onde a simplicidade e a criatividade reinavam soberanas.
Naquela pequena vila, a infância seguia um ritmo próprio, inconfundível, marcado pelo constante arrastar das roladeiras e pela liberdade desmedida das crianças. Corriam sem preocupações, saboreando cada segundo com uma intensidade que só a infância permite. As roladeiras, com suas tintas que começavam a desbotar e seus sons tão característicos, eram mais do que simples objetos; eram companheiras de todas as horas, guardiãs de segredos e sonhos sussurrados.
É impossível não recordar com carinho aquele universo de fantasia onde tudo parecia ganhar vida. As "latas vivas", animadas pela energia inesgotável das crianças, se transformavam em personagens, em veículos, em tudo que a imaginação permitisse. O chão de terra batida, palco de tantas corridas e competições, se tornava um espaço quase sagrado, onde qualquer coisa podia acontecer. Os meninos de Camboinha, com suas roladeiras, eram os heróis de uma história escrita com simplicidade e felicidade puras. Cada riso, cada corrida desenfreada, era uma celebração do que significa ser criança, um lembrete constante de que a verdadeira riqueza está nas pequenas coisas.
Enquanto as crianças corriam e brincavam, a vila inteira parecia ser envolvida por aquela energia. Os adultos, observando à distância, sorriam com um misto de nostalgia e alegria, recordando os dias em que eles próprios tinham corrido com suas roladeiras, pelas mesmas ruas, com os mesmos sonhos. Os sons das latas batendo contra o chão e as risadas ressoavam por toda a vila, transformando aquele local em um verdadeiro parque de diversões ao ar livre. As roladeiras de lata, feitas com tanta dedicação, eram mais do que simples brinquedos; eram laços que uniam gerações, uma prova viva de que a felicidade verdadeira se encontra nas coisas mais simples e autênticas.
Naqueles momentos de brincadeira, as crianças de Camboinha construíam memórias que as acompanhariam por toda a vida. Eram memórias de um tempo em que a imaginação e a simplicidade eram os maiores tesouros, e onde cada novo dia trazia a promessa de novas aventuras.
Assim, a vila de Camboinha seguia seu curso, embalada pelo som das roladeiras e pela alegria incessante das crianças. Cada manhã era um novo capítulo de histórias para contar, de aventuras para viver. E as roladeiras, com suas latas e arames, continuavam a deslizar pelo chão de terra batida, testemunhas silenciosas de um tempo de felicidade, inocência e pura liberdade.
Brinquedos matinais,
Ecoando memórias de um tempo generoso...
Lá estão eles, os meninos de Camboinha,
Brincando sob o sol, fazendo da simplicidade seu mundo de sonhos.
Brinquedos que não são apenas brinquedos...
Mas portais para a magia da infância,
Guardados para sempre na lembrança.
FIM
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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0071