* N° 0023 - O DEFUNTO - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA



No sereno verão de Camboinha, um evento singular perturbou a rotina pacífica da ilha: o falecimento de um renomado pescador local. Este homem, cuja presença era marcante, permaneceu em terra por três dias antes de ser levado ao cemitério da comunidade. Este local de repouso final, acessível através de sinuosos caminhos de terra, não servia apenas para momentos de luto, mas também era uma via essencial para o trânsito diário dos moradores, conectando as diversas comunidades da ilha. Contudo, um fenômeno estranho começou a ocorrer após a morte do pescador. Relatos de transeuntes indicavam avistamentos de uma figura acocorada na entrada do caminho que levava ao cemitério, com muitos afirmando que o vulto se assemelhava muito ao falecido.

No segundo dia após o óbito, um residente que retornava de uma viagem ao sul do país avistou o misterioso espectro durante sua caminhada de Fortalezinha para Camboinha. Desconhecendo o falecimento do pescador, ele prosseguiu até se deparar de perto com a figura enigmática, que parecia querer falar, embora tivesse dificuldades devido ao inchaço visível em seu rosto. De repente, a figura correu em direção ao cemitério, deixando o passante em estado de perplexidade.

Ao chegar a Camboinha, o transeunte compartilhou o ocorrido e logo soube que havia visto o falecido pescador. Adicionalmente, uma senhora da comunidade próxima ao cemitério também teve uma experiência sobrenatural. Seu cachorro começou a latir incessantemente para o fundo do quintal, e seu neto afirmou ter visto um homem que aparecia e desaparecia simultaneamente. A senhora, sentindo um arrepio ao reconhecer a situação descrita nas histórias que circulavam pela vila, com voz trêmula, questionou o espectro sobre suas intenções. Como resposta, recebeu um pedido para entregar um saco de dinheiro enterrado sob o girau de sua casa à sua filha. Após encontrar a quantia mencionada, a família do falecido foi informada sobre o ocorrido. No entanto, as visitas noturnas do espectro à senhora persistiram. Dizem que o pescador se apaixonou por ela, nunca encontrando paz, mesmo após sua partida definitiva para outros mares do além.

Assim, entre lendas e mistérios, a ilha de Mayandeua guardava seus segredos, onde até mesmo os mortos pareciam não encontrar descanso. "Coisas da ilha", diziam os moradores, em sussurros carregados de mistério e respeito pelo além. A tranquilidade de Camboinha, um vilarejo marcado pela vida simples e pelos costumes enraizados, foi abalado por uma série de eventos inexplicáveis que ecoaram por suas ruas de terra batida e casebres de madeira. O mar, sempre presente, parecia guardar mais do que peixes em suas águas profundas e misteriosas.

Os relatos se multiplicavam. Pessoas que nunca haviam acreditado em histórias de assombrações agora narravam suas próprias experiências. As noites se tornaram longas, com olhares atentos ao menor sinal de algo incomum. O caminho para o cemitério, antes apenas uma trilha de terra, tornou-se um lugar de vigilância e temor. A figura acocorada na entrada do cemitério tornou-se uma presença quase constante. Uns diziam que era uma alucinação coletiva, outros acreditavam piamente na volta do pescador. Algumas crianças, menos inclinadas ao medo, tentavam ver o espectro como uma aventura, desafiando-se mutuamente a ir até a entrada do cemitério ao anoitecer. O mistério do saco de dinheiro acrescentou uma camada de complexidade à história. Como o pescador sabia que aquele tesouro estava enterrado sob o girau da senhora? As especulações variavam desde um segredo compartilhado em vida até um conhecimento adquirido no além. A entrega do dinheiro à filha, contudo, trouxe um pouco de alívio para a família, mesmo que o preço fosse a continuidade das visitas noturnas.

Enquanto isso, a senhora, foco das atenções espectrais do pescador, vivia uma dualidade: o medo do inexplicável e a estranha sensação de proteção e carinho que emanava do espírito. As suas noites eram marcadas por diálogos silenciosos e uma constante sensação de companhia. Com o tempo, o espectro do pescador tornou-se parte da identidade de Camboinha. Os novos visitantes ouviam as histórias com curiosidade e receio, enquanto os antigos moradores passavam a aceitar a presença como uma peculiaridade de sua ilha. 

E assim, entre histórias de amor, assombração e mistério, Camboinha continuava a viver, guardando em seus recantos as narrativas que davam vida e cor a um lugar onde até mesmo os mortos tinham histórias para contar.


FIM

© Copyright de Britto, 2020 – Pocket Zine
Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0023

Mensagens populares