* N° 0206 - NOITES DE CHUVA NAS ILHAS - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA


Torres de fibras diversas despontam no horizonte, erguidas como sentinelas que observam o ciclo eterno da vida. Palmeiras e mais palmeiras, suas copas enlaçam o céu, tornando-se telhados verdes que protegem e acolhem. Na linguagem dos ventos e das chuvas, essas torres murmuram logaritmos naturais, equações que só os rios e o sal entendem.  

Na ilha de Mayandeua e Algodoal, tudo silencia quando a chuva abraça o ventre do remanso. Cada gota que cai é uma nota em uma sinfonia infinita, composta pela terra e pelo mar.  Mayandeua.  Mãe de todas as mães.  Berço de raízes profundas, de histórias que navegam nas águas e flutuam no ar.  Uma língua própria ressoa ali, com palavras de chuva e de noite, de inverno que dura seis meses, de sonolência e de sonhos. As palavras cruzam-se em um bailado, reminiscências de poetas do Norte em cada frase que o vento traz.  

Assim as ilhas vêm rejuvenescendo. O verde avança como se quisesse abraçar o tempo, os rios e os homens. E enquanto isso, as águas cantam, carregando consigo a memória de suas vilas. Gente que vem de lá, de Fortalezinha e Mocooca.  Gente que vem de cá, de Camboinha e Algodoal.  Reúnem-se todas aqui, escutando as vozes das ilhas. Vozes de baixo, que borbulham nos lagos encantados. Vozes de cima, que caem em forma de chuva.  

As redes de dormir balançam sob as palhoças. Lá fora, as chuvas e as marés embalam a noite, trazendo consigo o cheiro inconfundível do café e do pão caseiro, aquecendo as bocas de muitos que já esperam a maré crescer. O vento sopra de fora, às vezes assombrando com sua fúria, outras vezes sussurrando segredos de mimos deste Norte.  As mulheres, com gestos ancestrais, cuidam dos filhos enquanto o mundo dorme. Os homens, cansados da lida, repousam nas redes, perfilados como guardiões de um tempo que nunca para.  

E chove no centro do Salgado.  Chove no pensamento dos que amam de longe, separados pelas marés e pelo destino.  Chove nos olhos dos homens que trabalham "lá fora", enfrentando águas revoltas e ventos impiedosos.  Dentro das palhoças, a vida resiste. Entre goteiras e risos abafados, o caboclo fuma seu porronca, deixando que a cinza dance no ar. Outros movem panelas para capturar a chuva que insiste em entrar pela biqueira.  

Mayandeua e Algodoal agora  dorme.  As palhoças, os retiros, as embarcações, tudo repousa no colo destas  águas de princesas. A ilha não teme a noite, pois sabe que o ciclo continua.  

E lá fora...  
Uma embarcação vaga sob a lua. Sua tripulação escuta o chamado da maré, que canta sem parar.  Torres de fibras diversas se erguem novamente no amanhecer. Sentinelas imortais, assistem ao dia que nasce, enquanto Mayandeua e Algodoal respiram a esperança nas redes de pesca, mais uma vez, o ritmo eterno de sua própria canção.

E lá fora, mais chuvas chegando!
 

FIM

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Projeto Literário e Musical Primolius N° 0206

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