*N° 0218 - MANGUEZAL I - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
O mangue é um universo à parte, um reino onde a natureza se expressa em toda a sua complexidade e riqueza. Este vasto e intrincado ecossistema, que se estende pelas margens entre a terra e o mar, é mais do que uma simples paisagem; é um lugar onde a vida pulsa de forma única, onde tudo se transforma e renova constantemente. Ele é o guardião dos segredos da natureza, um espaço que leva e lava de tudo, purificando e renovando o que ali toca.
Os sons que emanam do mangue são como músicas antigas, carregadas de histórias e sentimentos que transcendem o tempo. São sons que não apenas preenchem o espaço, mas que transportam os que ouvem para um estado de reflexão e conexão profunda com o ambiente. Caminhos sinuosos, entrecortados por furos e canais, são preenchidos por canoas que deslizam lentamente, como se seguissem o ritmo tranquilo da natureza. Nessas águas, os murmúrios não são apenas sons aleatórios, mas sim discursos improvisados que o mangue parece criar, argumentando sobre a própria existência e sobre os mistérios que guarda em suas profundezas.
As proas das canoas avançam, enfrentando as marés que sobem e descem, desenhando a história do mangue com cada remo que toca a superfície. É uma história rica e antiga, contada por aqueles que aprenderam a ler os sinais das águas e a ouvir o vento que espalha as histórias diárias desse lugar. Quantos pés descalços, endurecidos pela vida, já pisaram nesse solo de lama fértil? Quantas vidas foram sustentadas por essa terra, onde o vento parece sussurrar segredos antigos, carregados de peixes e crustáceos que tanto encantam aqueles que dependem do mangue para sobreviver?
O mangue é mais do que um simples espaço geográfico; ele é uma entidade viva, feminina, poderosa. Como uma mulher, ele é fértil e acolhedor, um útero natural que nutre e protege. Nas suas entranhas, as fêmeas ovadas, carregadas de vida, emergem nos currais esquecidos, símbolo da resistência e da continuidade da vida. Essa imagem se entrelaça com a figura da mulher cabocla, intensa e guerreira, que vive em harmonia com o mangue. Ela conhece seus segredos, respeita sua força e cuida de seus filhos – não apenas humanos, mas também de todas as criaturas que encontram abrigo nesse ambiente.
O mangue é o aconchego dos caranguejos e camarões, criaturas que encontram ali um lar seguro. É a casa nupcial dos botos, que brincam e dançam em suas águas, e dos siris, que se escondem entre as raízes das árvores. As margens do mangue são decoradas com frutos, caroços e troncos, deixados pela maré, testemunhas silenciosas do ciclo incessante de vida e morte que define esse ecossistema. E sobre tudo isso, o mangue reina, senhora absoluta, governando também os carapanãs, mutucas e maruins, pequenos mas persistentes, que são parte inseparável de seu reino.
Este é também o domínio dos pescadores, aqueles homens que conhecem cada centímetro desse território e que, com habilidade, navegam suas águas em busca do sustento diário. Os sons que eles ouvem – o zumbido dos insetos, o ploc das criaturas que saltam na água – fazem parte de uma sinfonia natural que marca o ritmo da vida no mangue. Aqui, bichos nascem e renascem, perpetuando o ciclo de vida que nunca cessa. E assim, o mangue adormece e desperta, seguindo o compasso da maré, oferecendo sua riqueza e mistério a todos que dele dependem.
À medida que o dia avança e a noite se aproxima, as rabetas coloridas das embarcações vão sumindo no horizonte, levando consigo os frutos de mais um dia de trabalho. O mangue, no entanto, permanece, imperturbável em sua rotina, sempre pronto para acolher a vida e oferecer abrigo. E assim, esse ambiente singular continua a ser um refúgio, um santuário, onde a natureza e a humanidade se encontram em um eterno ciclo de sobrevivência e renovação. O mangue é vida, é força, é resistência. É o coração que bate forte na pulsação da terra, um lugar onde a natureza revela sua essência mais pura e indomável.
Aconchego dos caranguejos e camarões
Casa nupcial dos botos e siris,
Frutos, caroços e troncos em tuas margens,
Senhora dos carapanãs, mutucas e maruins.
Ambiente dos famosos pescadores...
Outros sons de Zumm e Thibum! Bichos parindo...
O mangue adormece e acorda para todos...
Enquanto as coloridas rabetas vão sumindo...
- Vão sumindo...
- Indo...
- Findo.
FIM
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Projeto Literário e Musical Primolius N° 0218