* N° 0132 - HORA SONÍFERA - SÉRIE: CONTO FANTÁSTICO DE MAYANDEUA
Há muito tempo, em um lago de águas cristalinas, nasceu a princesa dos infinitos sonhos. Sua presença era como um mistério tecido pela própria natureza, um sopro de vida que parecia moldado pelas mãos do vento e das estrelas. Em noites de lua cheia, sua figura resplandecia, como se o céu derramasse sua luz apenas para enaltecer sua existência. Durante as noites de lua crescente, o brilho suave que emanava dela fundia-se ao vento, dançando entre as árvores e acariciando as ondas do lago, criando um espetáculo celestial no império das águas de Maya.
Mas, como tudo que é puro e sutil, ela foi levada pelo tempo. Poucos tiveram o privilégio de vê-la, e entre esses poucos, quase ninguém compreendia plenamente quem era aquela rainha encantada da ilha. Dizem que foi o progresso que a afastou. A voracidade dos Novos Homens destruiu o que ela mais amava: o silêncio — não apenas a ausência de ruídos, mas a profundidade do sossego, a harmonia das brisas que acariciavam as margens e o cheiro salgado da maresia ao amanhecer. Ela vivia pelos cantos de pássaros que saudavam a aurora, pelo murmúrio das ondas que beijavam a ilha. Mas tudo isso foi se esvaindo, perdido entre máquinas e motores, esquecido nos registros de uma nova era.
Suas águas, antes livres, foram enclausuradas. Contam que ela ainda vive ali, mas não como antes. Agora, refugiada em seu "Refúgio Encantado", ela quase nunca é vista. Sua presença, embora ainda sentida, está distante, escondida pela tristeza de um mundo que a aflige. Ela teme o alarido das vozes que ressoam, os motores que quebraram a paz que um dia reinou absoluta e o som das caixas modernas que os homens de fora trazem em suas bagagens.
Ainda assim, ela desabrocha no lago, a única filha de Mayandeua, uma guerreira que guarda em silêncio a memória da ilha. O tempo, implacável, ergueu novas nações. Mundos diferentes surgiram no horizonte. Visitantes inesperados chegaram, trazendo consigo novas maneiras de contemplar o mar e costumes diversos. E em meio a isso, outro tempo — mais duro e abrupto — varreu os encantos e os Encantados.
Agora, a Majestade da ilha, com a graça que lhe resta, ensaia sua última dança. Não há parceiros, apenas memórias que a acompanham. Em seus gestos, ela tenta dar forma a novos lagos, não no mundo físico, mas no coração e na mente de seus filhos. É sua tentativa de preservar o espírito da ilha, de manter viva sua essência. Ainda há noites em que, sob a lua cheia, o vento traz de volta os ecos de antigas cantigas. Essas melodias, vindas dos ancestrais curimbós, ressoam como lembretes de um tempo em que a ilha e sua rainha eram inseparáveis.
A princesa ainda permanece em seu lago, guardando o que resta de seu reino. Poucos têm acesso a esse santuário, onde a água e o céu parecem se fundir. Lá, ela observa. Cada movimento, cada som é cuidadosamente analisado por seus olhos vigilantes. O vento noturno de Mayandeua, que sopra quando o mundo dorme, carrega seu canto, um som melancólico que fala de proteção e esperança.
Enquanto a maioria repousa, ela permanece desperta, trabalhando pela ilha. Não por ambição, mas por amor, ela se tornou a guardiã de tudo o que Mayandeua ainda representa.
— Foi o que um velho pacamum, com olhos de sabedoria, sussurrou ao me contar sua história.
FIM
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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0132


