*N° 0220 - FUSÃO DE MARÉS - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
Gustan encontrava-se imerso em um momento de profunda introspecção, sentado na areia fina da praia, contemplando as ondas que se sucediam num ritmo hipnótico. O marulhar constante envolvia-o em um manto de tranquilidade, mas sua mente não repousava. Ele era um homem de ciência, e sua curiosidade o impelia a questionar a natureza do Mar. Como alguém poderia compreender algo tão vasto e mutável, que nunca é o mesmo? Cada onda, cada gota d’água parecia carregar consigo uma história única, impossível de ser capturada ou descrita por completo. Essa instabilidade do oceano ecoava os ambientes corporativos onde ele passava seus dias, mergulhado em documentos e relatórios, tentando decifrar a essência de uma empresa que também parecia estar em constante transformação.
Renomado redator numa multinacional, Gustan era conhecido por sua habilidade de traduzir conceitos complexos em textos claros e impactantes. Contudo, à beira-mar, ele sentia-se tão inconstante quanto as águas que admirava. Sua vida pessoal estava repleta de incertezas: um relacionamento complicado pesava sobre seu coração, enquanto no trabalho oportunidades e desafios surgiam com uma rapidez que ele mal conseguia acompanhar. Sentia-se dividido entre o conforto do que já conhecia e o fascínio pelas inúmeras possibilidades que o futuro prometia – uma dicotomia que refletia a eterna luta entre o velho e o novo.
À medida que o Sol ascendia no horizonte, o som das ondas parecia diminuir, como se o próprio planeta ajustasse o ritmo do Mar. Gustan percebeu que algo dentro dele ansiava por mais: mais contato com aquelas águas que sempre o acalmavam, mais compreensão do poder misterioso que o oceano representava. A Natureza, em sua vastidão, parecia cruel ao privá-lo daquele elemento essencial. Sabia que precisava tomar decisões importantes no campo tecnológico, escolhas que poderiam impactar não apenas sua vida, mas também a de muitos outros. Mas como decidir o futuro quando o presente parecia tão fragmentado?
Movido por uma intuição quase inexplicável, Gustan ajoelhou-se na areia e, com uma pequena garrafa, recolheu um pouco da maré que lambia seus pés. Não sabia exatamente por que fazia aquilo, mas sentiu que aquela água, em sua simplicidade, guardava algo precioso. De volta à cidade, levou a garrafa consigo e tentou integrar aquela água às estruturas artificiais de dutos e reservatórios. Seu objetivo era simples: recriar a harmonia natural em um ambiente dominado pela tecnologia. No entanto, seu experimento fracassou. As águas não se misturaram; ao contrário, rejeitaram-se mutuamente, como se cada gota carregasse a memória de sua origem e se recusasse a perder sua identidade em meio a águas estrangeiras.
Enquanto observava o insucesso de sua tentativa, Gustan voltou a refletir sobre o poder do Mar. Como algo tão vasto e fragmentado conseguia manter sua força ao longo do tempo? Começou a perceber que a água, assim como o tempo, segue caminhos próprios, muitas vezes incompreensíveis para a mente humana. As águas do oceano choravam silenciosamente sob o peso da poluição e das intervenções humanas, e ele se perguntou se o mundo algum dia entenderia que os mares só são verdadeiramente mares quando respeitamos sua essência.
Gustan retornou à praia, sentindo-se ainda mais conectado ao oceano do que nunca. Sabia que a água que havia levado para a cidade era apenas uma pequena parte de algo muito maior, algo que não podia ser contido ou plenamente compreendido. E ali, à margem de sua própria vida, tomou uma decisão. Não importava quantas tecnologias fossem criadas ou quantas inovações surgissem, ele jamais deixaria de buscar a essência das coisas, de questionar e tentar entender o que jazia além da superfície.
E no planeta chamado Mayandeua, onde lendas e realidades se entrelaçam como correntes do oceano, outros como Gustan continuariam a chegar. Homens e mulheres com dispositivos portáteis, tentando capturar um vislumbre do que realmente importa: a essência do mar, a promessa da Princesa, a canção de carimbó que ecoa nas ondas. Também eles buscariam respostas, talvez sem perceber que a verdadeira resposta estava na simplicidade do marulhar das ondas, na constância e na mudança que o oceano traz consigo.
- Mistérios da ilha, sempre a desafiar e encantar aqueles que se aventuram a escutar suas histórias.
- Mistérios... sempre mistérios vão surgindo...
- Ali! Apareceu outro Encantado no horizonte de Maya!
FIM
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Projeto Literário e Musical Primolius N° 0220