*Nº 0047 - SUCO DE CUPUAÇU - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
No calor abafado da tarde amazônica, sob o telhado de palha de uma casa simples, uma cena inusitada se desenrola. Na mesa de madeira, um copo de cupuaçú recém preparado exala seu aroma doce e convidativo. A bebida, refrescante e encorpada, é um verdadeiro tesouro para qualquer um que conheça o sabor das frutas dos quintais. Caba desajeitada, carapaça brilhante, pousa perto do copo, suas antenas vibrando com o cheiro tentador. Do outro lado da mesa, um menino observa, olhos atentos e curiosos, refletindo o brilho do sol filtrado pelas folhas lá fora. Entre eles, um desafio silencioso se instala. Quem dará o primeiro passo?
Os olhares preocupados se cruzam, cheios de estratégia e antecipação. O menino, com suas mãos sujas de terra das brincadeiras de antes, hesita. A caba, com suas asas prontas para o voo, também parece medir a distância. É um momento carregado de tensão, onde a simplicidade da cena contrasta com a complexidade do desejo. De repente, a caba se lança em um voo rasante, asas zumbindo em alta velocidade. O menino, em um reflexo instintivo, tenta ser mais rápido, tentando alcançar o copo antes do inseto. O "coração" de ambos pulsa rápido, como se cada batida fosse uma contagem regressiva para o desfecho dessa disputa.
O momento é excepcional, uma batalha silenciosa onde a ânsia e a necessidade de ambos se encontram. A caba, atraída pelo doce néctar, se move com uma precisão quase militar. O menino, motivado pela promessa do sabor refrescante, estende a mão com determinação. Mas então, um imprevisto acontece. Em meio ao caos, o copo é derrubado. O líquido precioso se espalha pela mesa, escorrendo em todas as direções. O menino e a caba param, chocados pela súbita mudança de eventos. O copo vazio é um testemunho silencioso de uma oportunidade perdida.
Menino e caba ficam parados, encarando a cena. Ambos babando, não pela fome ou sede, mas pela perda compartilhada de algo que quase foi, mas não será. O menino suspira, aceitando a derrota com um leve sorriso. A caba, talvez movida por um instinto mais profundo, também se afasta, suas antenas ainda vibrando. Para ambos, a busca pelo prazer foi substituída pela compreensão do inesperado.
Enquanto o sol começa a se pôr, o menino limpa a bagunça com um pano velho, já pensando em novas aventuras que o amanhã trará. A caba, por sua vez, alça voo em busca de outro destino, deixando para trás a mesa e o copo vazio. Menino e caba, unidos por um breve instante, seguirão seus caminhos, carregando consigo a memória de uma tarde quente e um copo de cupuaçú que quase os uniu em prazer. No fim, talvez não seja o copo cheio ou vazio que importe, mas sim a busca, o esforço e a aceitação do que se apresenta. Uma lição tão válida para a criança quanto para o inseto, e, de certa forma, para todos nós que observamos a cena, aprendendo sobre a beleza dos momentos fugazes que compõem as tardes amazônicas.
Enquanto isso a mãe do menino pergunta sobre o copo de cupuaçú. Eita!
FIM
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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0047