*Nº 0034 - SIRIAL - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA - JÁ EM POCKET - ZINE



Era uma manhã nublada quando decidi explorar o mangue. O silêncio ali tinha um peso quase tangível, uma quietude que só quem conhece o mangue pode entender. Nasceram no mangue, cresceram no mangue, e morreram pelo mangue. Assim se faz a seleção natural, silenciosa e implacável. O vento, que outrora balançava as folhas, agora desfalece, carregando consigo o crime para outras paragens.

Os mangueiros, outrora imponentes palácios verdes, agora sucumbem. Com eles, vão embora os encantamentos que outrora floresciam por entre as águas deste rio. Chamas e progresso avançam, devorando tudo em seu caminho, enquanto os siris sussurram lamentos inaudíveis.

Quiçá nasçam outros, imprevisíveis como os ares que sopram sem aviso. Inteiramente na porta dos sabedores do certo e do incerto, outros seres surgirão no mangue. Mas estes, ao contrário dos anteriores, trazem consigo destruição. Jogam seus dejetos, pisoteiam suas próprias ações, sem se darem conta das consequências.

Enquanto isso, mais palácios verdes vão morrendo, transformando-se em desertos, soterrados pelas areias que chegam de fora. Lá dentro do mangue, a fauna e a flora enlouquecem, desesperadas pela mudança brusca. O vento, que outrora trazia notícias de sorrisos, agora só carrega lamentos e pesar. Estranhos seres surgem das sombras, marcando a decadência do mangue.

Falecer, findar, ferir, forçar: verbos que agora definem o destino daquele lugar. Os bichos do fundo vão embora, os encantados se desencantam, e a paisagem verde é invadida e destruída. Um choro surge lá dentro do mangue, um lamento silencioso que ecoa na vastidão.

Os siris, condenados ao tempo incerto, também partem. O sirial vai embora, levando consigo um pedaço da alma do mangue. E assim, o mangue, que era um refúgio de vida e encantamento, torna-se um cenário de desolação e perda.

Caminho por entre os restos do que um dia foi vibrante e cheio de vida, sentindo o peso da destruição. O progresso, com suas chamas e sua fome insaciável, consome tudo em seu caminho. Mas, no silêncio que se segue, ainda há um fio de esperança. Talvez, um dia, o mangue possa renascer das cinzas, se o deixarmos respirar e se reconectar com sua essência primordial. Até lá, resta apenas o lamento das águas e o sussurro dos siris, guardiões de um passado que ainda luta para sobreviver.

Bichos do fundo indo embora!
Encantados se desencantam...
Paisagem verde, também ocupada.
(Um choro surge lá dentro do mangue)

Siris condenados ao tempo incerto...
Sirial indo embora.

Assim, dentro  do mangue vão surgindo: Novos areiais!


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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0034

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