* Nº 0010 - MAROLA - SÉRIE: CONTO FANTÁSTICO DE MAYANDEUA
O frio chegou com mais brandura neste começo de manhã no Salgado paroara. Esta história foi contada pelo nativo Ergulino em uma de suas conversas enquanto esperava a cheia de uma maré. E assim relata Primolius:
Manhã de Segunda, bem cedo, maré enchendo.
Como é a maré? Por onde passa, traz a abundância de histórias e fragmentos das ondas de todo este mundo da ilha. Essas águas, incansáveis em seu trabalho, arriscam desesperadamente salvar os peixes das pedras pontiagudas que cercam a embarcação de nossos irmãos pescadores. Começo esta história relatando a vivência de um parceiro, nativo da Ilha.
Certo dia, ele já estava fielmente no Beiradão de Camboinha, ganhando uns trocados diários com sua embarcação, levando passageiros pelos arredores da ilha. Era um sujeito de boa fala, educado, e possuía uma canoa de cor amarela. Dentro de sua embarcação, havia parafernálias que adornavam o espaço de madeira, como redes, vasilhames de bebidas vazios, garrafas PET e uma cuia (esgoti), essencial para tirar a água de muitas "naus" desta "terra de camaroeiros".
Na noite anterior, os primos do cidadão haviam saído para a maré para pescar camarão. Com felicidade, acertaram na pesca e, tranquilamente, foram para o outro lado da ilha para tomar uns goles e suavizar a lida. Também aproveitaram para realizar a venda dos camarões na cidade mais próxima. Enquanto isso, o rapaz admirava a luz da meia lua no horizonte, que já quase cedia espaço ao Sol, prestes a iluminar a ilha.
Nesse cenário paradisíaco, o moço avistou ao longe a chegada de uma mulher que se aproximava de sua embarcação. Com uma silhueta admirável, ela perguntou se ele poderia levá-la para a outra margem. Sem hesitar, ele prontamente disse que sim. A mulher tinha cabelos negros, cintura de caju e os lábios mais roxos que o caboclo já havia visto na vida. A pele da passageira foi logo iluminada com a luz do sol, que chegava de mansinho por entre as águas de Mayandeua, cravejadas de liberdade.
Assim começou o dia. À sua frente, estava ela, a morena com uma roupa de chita muito estampada e um chapéu branco que fazia suspirar os velhos pulmões daquele moço. A moça, na proa, carregava consigo os raios de sol que traçavam uma trilha de luz, contemplando a felicidade daqueles minutos que separavam Camboinha e Algodoal. Aproveitando esta ocasião de remadas prazerosas, o remador sentia o cheiro daquela cabocla de beiços de açaí. Abismado com a imagem de uma legítima mulher daquelas regiões do Salgado, juntos apreciavam o horizonte com uma paz que só os coqueiros sentem com a força do vento nas manhãs de verão de Mayandeua.
O sol, mais alto, ressaltava a forma da moça do Norte. Em momentos inesperados, a morena tirava o chapéu lentamente, deixando o brilho de seus cabelos se fundir à estética do horizonte do mar aberto. Ao redor do casquinho, no meio do furo, a morena brincava com os dedos na superfície da água matinal.
Ao alcançar o trapiche, o rapaz contemplou novamente a força daquela moça. Com uma voz afetuosa, ela agradeceu a gentileza do rapaz, que não quis nada em troca por deixá-la em Algodoal, e saiu de cena. Segundo o relato de Ergulino, o rapaz nunca reencontrou a morena de lábios perfeitos. Todavia, sempre que retorna à ilha, anseia vê-la novamente. Enquanto isso não acontece, ele cantarola para a marola, dedicando mais uma nova balada de ternura por ela.
Segundo Primolius...
Era a Princesa!
FIM
Copyright de Britto, 2020
Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0010