*Nº 0048 - NO ACORDAR DAS AREIAS DE CAMBOINHA - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA



Ao abrir a janela, fui envolvido pelo frescor sereno da manhã, como se a brisa trouxesse consigo um convite sutil para recomeçar. A luz delicada, filtrada pelas folhas dos coqueiros, desenhava sombras suaves no chão, e logo avistei, a poucos metros, uma iguana imóvel sobre um galho grosso. Ela me fitava com uma expressão serena, quase ancestral, como quem carrega consigo o silêncio das manhãs de outrora. Havia uma calma quase ritualística em sua postura, e era como se aguardasse algo importante, um momento único que apenas o alvorecer da ilha de Mayandeua poderia proporcionar.

O vento da manhã acariciava minha pele, e a fragrância adocicada dos taperebás, caídos nas matas da ilha, flutuava no ar como lembranças de tempos idos. Esses frutos amarelos espalhavam-se pelo chão em abundância, cada um contando a história de verões passados e antecipando a promessa de colheitas futuras, de encontros e celebrações. Em Camboinha, os taperebás caídos eram mais que simples frutas, eram como versos de uma poesia que se escrevia na terra, pedaços de natureza que refletiam a alma da ilha.

Ao observar o ambiente ao redor, ouvi o farfalhar leve das folhas de coqueiro, um sussurro matinal quase humano que parecia perguntar: "Como vai você?" Algumas folhas, ainda envoltas no sono da madrugada, balançavam preguiçosamente ao toque do vento. Era uma saudação, um cumprimento tímido, mas acolhedor, de boas-vindas ao novo dia que se erguia sobre nós.

O sol de inverno, no horizonte, começava a despontar, lançando uma luz dourada que se espalhava como um véu sobre a paisagem. Essa luminosidade, suave e penetrante, parecia abraçar cada detalhe ao redor, revelando a simplicidade encantadora da ilha. Foi nesse instante que a emoção tomou conta de mim, e senti uma alegria que não pude conter; ergui minha voz e, com a euforia de quem saúda um velho amigo, gritei:

- Bom dia, Mayandeua!

A iguana, imóvel até então, pareceu se mexer levemente, como se entendesse a minha saudação e a retribuísse com um olhar que carregava um sorriso quase imperceptível. Era um sorriso de compreensão silenciosa, como se ela também percebesse a magia daquele instante e aceitasse o meu entusiasmo como parte integrante daquele amanhecer.

A ilha despertava ao meu redor, cada pequeno elemento – a iguana, os taperebás, as folhas dos coqueiros, e o sol tímido do inverno – se unia para compor uma sinfonia silenciosa e encantadora. Naquele momento, senti uma profunda conexão com o que me rodeava. A paz que me envolvia não era apenas um estado de espírito, mas uma sensação de pertencimento, de harmonia com os ritmos e ciclos da ilha. A vida ali era, de fato, um constante renascer, e cada amanhecer trazia consigo a chance de observar, aprender e valorizar a beleza das pequenas coisas.

No fundo, era como se cada amanhecer fosse um presente, um lembrete de que mesmo os menores detalhes – o olhar curioso de uma iguana, o aroma doce dos frutos caídos, o canto suave do vento nas palmeiras – tinham o poder de transformar o comum em extraordinário. Era esse o segredo de Mayandeua, uma ilha onde o tempo parecia desacelerar para contemplar a natureza em toda sua plenitude.

Assim, com o olhar sereno da iguana ainda gravado em minha memória, iniciei meu dia. Ela parecia ter compreendido, talvez melhor que eu, o valor de um simples bom dia. Naquele instante, em que o mundo despertava e os segredos da ilha se espalhavam em um murmúrio quase inaudível, eu também despertei para a simplicidade profunda da vida ao meu redor, grato por cada instante, cada som, cada cheiro, cada olhar partilhado entre mim e aquele pedaço de natureza viva.

(A iguana parece que realmente sorriu!)

FIM

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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0048

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