Nº 0933 - RIOS DE DENTRO E DE FORA - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
Os rios: veias pulsantes da terra, e não só. Sangue líquido, sim, mas também a lágrima cristalina que lava os espinhos agudos do mundo. Um poeta viajante, desses que trocam o conforto pela aventura, diria que são libertos, indomáveis, carregando consigo não apenas estrelas cintilantes e areias cristalizadas, mas a memória do tempo — diamantes guardados em segredo, que brilham discretamente sob o sol trêmulo ou o luar rendado.
Ele os vê fluindo como um batalhão afoito de mosquitos, cada gota incansável em sua marcha, desenhando curvas sinuosas no mapa invisível da criação. Rios de sonhos, rios de vida, lavando o mundo com uma paciência ancestral, como uma avó benzedeira. No semblante dessas águas, ele adivinha o mistério da procriação, a fecundidade da natureza em sua forma mais pura. Rico por natureza, o rio é um tesouro exposto, mas ainda assim insondável. Ele contempla seus adornos frutíferos, árvores que parecem nascer diretamente de suas margens, e se deleita com a arquitetura frondosa que se ergue ao seu redor. É um espetáculo de formas e cores, onde cada folha, cada flor, cada galho parecem ter sido colocados ali com intenção divina, como numa pintura que nunca seca.
Os rios lavam os espinhos, ele pensa, mas também despertam energias adormecidas. As palmeiras, altivas e majestosas, explodem de vitalidade ao sentir o toque das águas. É como se o rio trouxesse não apenas vida, mas também inspiração, um chamado à aventura. Ele imagina o rio carregando folhas secas que dançam em sua correnteza, flores que caem delicadamente sobre ele, entregando-se ao abraço líquido. Cada movimento das águas traça linhas imaginárias, desenhando o segredo do mundo na superfície.
Rios dos rios, ouve dizer de um velho ribeirinho. Suas pedras submersas, lisas e polidas pela eternidade, parecem deflorar o silêncio ao seu redor. O som suave da água roçando contra as pedras é um murmúrio que ecoa nos confins da alma. Uma pequena montaria, talvez um tronco flutuante ou até mesmo uma canoa perdida, vaga lentamente, como se não tivesse pressa para chegar a lugar algum. Tudo ali é calma, tudo é paz, como um domingo de manhã.
Milhões de peixes habitam suas tocas subaquáticas, milhões de bilhões de nadadeiras cortam suas águas sem descanso. O rio é um ecossistema completo, encharcado de vida em cada gota, em cada respiração. Ele é diverso, colorido, vibrante como a alma humana. Suas águas refletem o céu em tons que variam entre o azul profundo e o dourado do entardecer. Rios da calmaria, sendo de dentro ou de fora, cores diversas, adormecendo ao peito da mãe natural, acolhidos pelo ventre generoso da terra.
As terras das águas, banhadas por correntes que correm ao céu aberto, são um convite à contemplação. Aqui, ele sente, Deus realmente mora. Não há dúvida. Seus sinais estão por toda parte: nas curvas graciosas do rio, nas pedras que reluzem como diamantes, nas flores que tombam em reverência às suas águas. O rio é um templo, e cada gota, uma oração silenciosa.
Enquanto observa o horizonte, ele vê o reflexo do infinito nas águas tranquilas. O rio segue seu curso, indiferente ao tempo humano, mas profundamente conectado ao ritmo universal da vida. Ele é testemunha e protagonista, narrador e personagem. Um ser vivo, pulsante, que carrega em si os segredos mais antigos e os sonhos mais recentes, como um livro aberto.
E ele, diante dessa imensidão, é apenas um viajante passageiro, alguém que tenta capturar a essência do rio em palavras, sabendo que jamais conseguirá traduzir completamente sua grandeza. Mas talvez isso não importe. Talvez o verdadeiro milagre seja simplesmente estar ali, agora, contemplando estes rios, enquanto eles continuam suas jornadas, lavando o mundo e contando histórias que só os escolhidos podem ouvir, histórias que, no fundo, ecoam dentro de todos nós. Basta querer!
- Assim narrou uma jacinta na beira de um lago!
FIM
Copyright de Britto, 2021
Projeto Literário e Musical Primolius N° 0933