Nº 0930 - A BUSCA DA ETERNIDADE - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA
Quando João Charuto, o coronel de medalhas e anel de diamante, encontrou seu fim, a região do Salgado respirou em festa. Cachaça correu solta nos povoados, e a alegria espalhou-se entre os que por décadas haviam vivido sob sua tirania. João era um homem temido, símbolo de um poder arcaico, marcado pela violência e pela exploração.
Mas sua obsessão maior ia além da política ou da riqueza. Desde jovem, João era movido por um sonho desmedido: conquistar a imortalidade. A lenda, contada ao seu ouvido por um velho pescador indígena, dizia que, nas profundezas de um lago escondido no coração do Salgado, havia uma gruta submersa cujas águas concediam a vida eterna.
Tomado pela ganância, João Charuto iniciou uma busca incansável. Comprava terras, expulsava famílias, devastava manguezais e florestas que margeavam os rios e lagoas da região. Aos quarenta anos, já controlava vastos territórios, transformados em clareiras abertas à força de machados e tratores, feridas profundas na paisagem que antes respirava equilíbrio.
Para alimentar sua empreitada, subjugou comunidades inteiras. Trabalhadores locais eram obrigados a servir por salários de miséria, submetidos a condições desumanas que lembravam a escravidão de tempos antigos. Muitas histórias de crueldade circulavam nos vilarejos do Salgado, reforçando o temor diante de sua fúria implacável.
Sempre com um caderno repleto de mapas e anotações trêmulas, João guardava o segredo da lenda. Para desviar a atenção, espalhava a versão de que buscava apenas os ossos de seus antepassados, para enterrá-los conforme a tradição cristã. Mas todos sabiam que aquilo era mentira. O fogo em seus olhos não era de devoção, mas de obsessão.
Os anos passaram, e o corpo do coronel começou a fraquejar. Ainda assim, quanto mais a morte se aproximava, mais ele se agarrava à ideia de encontrar o lago encantado. Tornou-se um fantasma de si mesmo: febril, devorado pela ganância, vagando entre mapas borrados e escavações intermináveis.
Mas o lago do Salgado permaneceu silencioso. Nem suas armas, nem sua violência, nem sua astúcia foram capazes de arrancar da natureza o segredo da eternidade. A terra, em sua sabedoria ancestral, fechava-se diante de quem a tratava como inimiga.
No fim, João Charuto não encontrou a vida eterna. Cavou apenas sua própria sepultura. Sua história tornou-se exemplo da ruína de quem acredita que o poder e a violência podem submeter os mistérios do mundo.
Ainda hoje, nos povoados do Salgado, pescadores e camponeses lembram sua trajetória como uma história sombria. Dizem que, em noites de lua cheia, o lago ecoa sussurros, como se guardasse as últimas palavras do coronel. Mas a verdadeira imortalidade não foi dele: está na memória de um povo que aprendeu que a natureza só revela seus segredos àqueles que a respeitam.
- Assim esta história foi contada por uma cutia em um final de tarde de Maya.