Nº 0929 - AS FEITICEIRAS DA TRILHA ENCANTADA - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA
Há muito tempo, quando a Lua Nova ainda era reverenciada como deusa que caminhava entre os homens, ocorreu em Mayandeua um nascimento raro. Às margens do rio, uma mulher estrangeira, abandonada à própria sorte, uniu-se a um guerreiro indígena da ilha. Dessa união nasceram duas meninas gêmeas — evento interpretado pelos mais velhos como sinal de força e presságio de destinos extraordinários, como se a própria Lua as tivesse marcado.
Os nomes das irmãs ecoam entre dunas e cajueiros: Lacyara e Moary, . Desde pequenas mostraram-se diferentes. Lacyara trazia nos olhos verdes o reflexo do luar; Moary, nos olhos negros e profundos, o silêncio dos lagos. Eram inseparáveis, mas cada qual portava um dom singular. Lacyara dominava os cantos e ciclos da natureza. Seu sopro podia acalmar ventos ou despertar tempestades, e suas mãos conheciam o segredo das ervas capazes de curar febres e dores. Moary, por sua vez, herdara o dom do encantamento e da travessia: via o que se ocultava além dos véus, dialogava com espíritos e percorria trilhas invisíveis, surgindo e desaparecendo como bruma ao amanhecer.
Juntas, tornaram-se guardiãs da passagem mais enigmática da ilha: a Trilha Encantada, que une Camboinha, Nazaré e Fortalezinha. Sob a luz da Lua, quem ousava atravessar o caminho podia encontrá-las em diferentes formas — ora jovens de cabelos soltos ao vento, ora corujas, raposas ou garças. Assim, logo pescadores e caçadores aprenderam a respeitar o território. Sempre que cruzavam a trilha, alguns deixavam oferendas: caju, tabaco, farinha d’água ou mel. Aos reverentes, a travessia era protegida e a sorte nas pescarias se multiplicava. Mas aqueles que zombavam das feiticeiras ou caminhavam sem respeito perdiam-se em círculos infinitos, ouviam vozes enganadoras ou permaneciam presos no mundo secreto de Maya até o amanhecer, incapazes de escapar do mesmo ponto.
Uns afirmam que se apaixonaram por homens distintos, mas que nem o amor terreno foi capaz de separá-las. Outros narram que, em uma noite de tormenta, uniram seus poderes para salvar a ilha de uma invasão, desaparecendo nos ventos e transformando-se em espíritos da própria trilha. O que se sabe é que, até hoje, em noites de Lua Nova, viajantes juram ouvir passos leves na areia ou risos femininos que ecoam entre dunas. Alguns dizem ter visto duas sombras caminhando lado a lado; outros descrevem olhos verdes faiscando na escuridão, seguidos por olhos tão negros quanto o breu.
Assim as Feiticeiras Gêmeas da Trilha Encantada por lá estão: Eternas guardiãs de Camboinha, Nazaré e Fortalezinha, donas do caminho onde o real e o invisível se encontram.
Quem atravessa a trilha sabe: jamais caminha sozinho. Pois entre cada passo, o vento e a areia carregam os segredos das irmãs, lembrando que apenas o respeito à natureza e aos encantados abre a passagem segura entre os velhos mundos de Maya.
- Assim narrou Primolius!
FIM
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Projeto Literário e Musical Primolius N° 0929