* Nº 0221 - CANTIGA DAS SETE LUAS - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA
Sete luas riscavam o céu de Mayandeua – um evento cósmico que banhava a mata em prata, tecendo uma luz de sonho. Sob esse brilho, a vida seguia um ritmo diferente, mais lento e profundo, como se a própria mata respirasse com as luas encantadas. A Cantiga das Sete Luas, melodia ancestral composta em mistério, levada pelo vento que fazia dançar os bacurizeiros e cajueiros. A canção falava de amores proibidos sob o manto verde, revelava segredos de outros mundos, dos lagos que abraçavam a ilha, e celebrava uma beleza selvagem que só Mayandeua parecia compreender.
Essa música guiou um forasteiro. Ansioso por testemunhar o espetáculo no céu e na terra, ele se embrenhou na mata densa, deixando o mundo conhecido para trás, em busca do extraordinário. E então, o forasteiro viu e ouviu o fantástico . Este, era Ytrelus, um caboclo de idade incerta, rosto vincado pelo tempo e pela vida ribeirinha. Sentado sob uma mangueira frondosa, com seu instrumento de cordas, contemplava as sete luas refletidas nas águas escuras do lago, como joias espalhadas.
Ytrelus não cantava; sua quietude era, em si, uma melodia profunda e significativa. As mãos calejadas tocavam o instrumento, arrancando dele harmonias silenciosas, percebidas no ar, espelhadas em seu olhar que tudo abrangia. Sob a luz das sete luas, uma manga verde brilhava como esmeralda viva na escuridão. Uma Boiúna, senhora das águas, emergiu, escura e imponente, a pele capturando o luar em escamas líquidas. Era uma pintura viva, uma cena saída de um sonho. Então, Ytrelus ergueu-se em movimentos lentos, cerimoniais. Caminhou até a margem e, com um gesto suave, ofereceu a manga à Boiúna, que se aproximava. A serpente gigante aceitou, um brilho ancestral em seus olhos, e mergulhou, levando a oferenda e um fragmento daquela noite para as profundezas onde os segredos do mundo repousam.
Foi então que a voz de Mayandeua, como o próprio vento, quebrou o silêncio, falando ao forasteiro: "As luas gostam de ser contempladas, forasteiro. E a Boiúna guarda os segredos delas no fundo do rio." "A Cantiga das Sete Luas não é apenas música," prosseguiu a voz, que o forasteiro agora identificava como o espírito de Mayandeua, um murmúrio entrelaçado ao som da água. "É a história viva do nosso povo, a jornada ancestral desta ilha. É o amor que irrompe e se esvai, a dor que cicatriza, a esperança que renasce... é o pulsar do coração desta terra-mar."
Enquanto a noite avançava, sob o olhar mágico das sete luas, o espírito de Mayandeua ensinou ao forasteiro a escutar o silêncio cantante da mata, a ver a luz oculta na escuridão, a sentir a força que emanava de cada folha, de cada ser. Ele aprendeu que a Cantiga das Sete Luas era mais que melodia: era um modo de viver em harmonia com o mundo, uma ligação profunda com a terra e os Encantados da ilha. Naquela noite, o forasteiro começou a se tornar parte da Cantiga, uma melodia viva ecoando no tempo. E Mayandeua, cuja essência antes apenas se insinuara, agora narrava sua história completa, transformando para sempre a jornada daquele aventureiro.
Assim, naquela noite sob as sete luas, a magia era o próprio ar que se respirava, e a eternidade, um sussurro no vento. E a Cantiga viveria, guardada na memória de quem a escutou, lembrando a todos que a verdadeira magia reside na dança da consciência com o infinito. É a certeza de que, em Mayandeua, o extraordinário é a norma.
- Primolius emocionado!
FIM
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Projeto Literário e Musical Primolius N° 0221