* Nº 0401 - CANÇÃO Á BEIRA - MAR - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA
Nas margens verdejantes e úmidas do Lago Camboinha, onde a natureza pulsava em sinfonia silenciosa, a arte floresceu no coração de um pequeno batráquio chamado Zeca. Sua voz, um tesouro raro naquele ecossistema costeiro, vibrava melodias tão encantadoras que sua fama se espalhava como as ondulações delicadas na superfície espelhada do lago. Zeca era um trovador de alma, possuindo a dádiva de transformar o simples coaxar em árias que ressoavam profundamente na alma de cada ouvinte. Ao seu lado, com a graça etérea de uma garça bailarina, estava Lila, sua amada sapa. Sua dança era um poema vivo, um ballet singelo banhado pelo brilho prateado da lua que se refletia nas águas calmas, parecendo persuadir até as brisas marítimas mais travessas a dançarem em ritmo lento e suave.
Ao cair o crepúsculo tropical, tingindo o céu com pinceladas de cores, Zeca e Lila presenteavam a orla e sua diversificada fauna com um espetáculo hipnotizante. Enquanto a voz aveludada de Zeca pairava no ar úmido e salino, Lila volteava com uma leveza quase sobrenatural, como se a superfície líquida do lago fosse seu palco particular. As folhas dos coqueiros esguios e da vegetação rasteira, sensibilizadas pela perfeita harmonia do casal, sussurravam em uníssono, como uma suave e reverente ovação. Vaga-lumes e outros insetos luminescentes acendiam seus pequenos faróis, tecendo uma tapeçaria de luz mágica, e as aves noturnas, empoleiradas em seus postos de observação naturais, contemplavam a cena com uma quietude admirada.
Cada vibração sonora que escapava de Zeca era única, imbuída dos sons que embalavam seu mundo: o murmúrio constante das ondas quebrando na praia próxima, o coaxar melancólico e distante de seus companheiros, o farfalhar rítmico das folhas de palmeira acariciadas pela brisa suave. E Lila, com sua percepção apurada, captava cada nuance da melodia, transmutando-a em gestos delicados, quase imateriais. Em sua arte conjunta, descobriam uma linguagem visceral, dispensando palavras para expressar a profundidade de sua conexão, um laço que transcendia o som e o movimento.
Em uma noite estrelada, Zeca sentiu um impulso profundo para criar algo extraordinário, uma composição que eternizasse o amor inefável que o unia a Lila sob o manto celeste de Camboinha. Durante o dia ensolarado, buscou o silêncio da introspecção, escrutinando as sonoridades da orla com uma atenção renovada. Sentia que o sussurro da água, o suspiro das folhas e o assobio do vento marinho lhe ofereciam fragmentos melódicos para sua obra-prima, um tributo sonoro ao seu sentimento.
Quando a noite engoliu o último raio de sol alaranjado no horizonte distante, Zeca alcançou sua pedra predileta à beira do lago, um pedestal natural adornado por orquídeas perfumadas, e sua voz se elevou em um cântico singular. Desta vez, sua melodia possuía uma riqueza textural inédita, vibrando com uma emoção crua e uma sinceridade pungente que tocava a própria essência da existência. Lila, ao ser envolvida pela primeira onda sonora, sentiu seu coração palpitar em um ritmo acelerado e extasiado. Ela compreendeu, intuitivamente, que aquela não era uma serenata habitual – era uma declaração de amor efusiva, traduzida em som puro sob a lua radiante de Camboinha.
Então, Lila iniciou sua dança, mas com uma intensidade visceralmente diferente. Seus movimentos tornaram-se lentos e fluidos, quase como se deslizasse sem peso sobre o espelho líquido do lago. Seus olhos, fixos nos de Zeca, brilhavam com lágrimas cristalinas de pura alegria e emoção. Cada passo que executava parecia pintar aquarelas invisíveis na tela escura da noite, e a melodia de Zeca saturava o ambiente com uma energia única e inesquecível, embalada pelo suave murmúrio das ondas quebrando preguiçosamente na praia do pequeno porto, mais adiante.
As estrelas, testemunhas silenciosas daquele instante de amor puro à beira-mar, pareciam irradiar um brilho ainda mais intenso, e a luz da lua prateava a paisagem costeira, realçando a beleza transcendental da cena. Os habitantes da orla, absortos naquele raro espetáculo de beleza e emoção, sentiam-se privilegiados por presenciar algo genuinamente único e espiritualmente elevado. Um silêncio sagrado pairava, rompido apenas pela voz apaixonada de Zeca e pelos passos leves e graciosos de Lila, emoldurados pelo suave e constante murmúrio do lago. Quando a última nota da canção se esvaiu na brisa noturna e o último gesto da dança de Lila encontrou sua quietude final, toda a margem do lago Camboinha pareceu soltar um suspiro uníssono, como se houvesse contido a respiração durante toda a sublime apresentação. Zeca e Lila compartilharam um olhar carregado de significado, um silêncio eloquente que transcendia qualquer tentativa de verbalização. Eles souberam, naquele instante mágico, que aquela vivência ficaria gravada para sempre em suas lembranças e nos corações daqueles que a testemunharam na serenidade daquela encantadora vila costeira.
A partir daquela noite memorável, a canção de Zeca passou a ser reverenciada como “A Sinfonia do Lago de Camboinha”, transmitida pela memória viva através das gerações dos sapos. Os jovens girinos e outros habitantes da lagoa, ao ouvirem a narrativa inspiradora, nutriam o anseio de descobrir um amor tão profundo e verdadeiro quanto o de Zeca e Lila, um amor que os impulsionasse a criar melodias e movimentos capazes de encantar o universo ao seu redor. E assim, a tradição oral sussurra suavemente que, em noites de lua cheia e céu límpido sobre Camboinha, ainda se pode captar o eco longínquo da melodia apaixonada de Zeca e vislumbrar a silhueta graciosa da dança de Lila refletida nas águas serenas do lago. Talvez seja apenas uma doce lembrança, uma história enriquecida pela imaginação fértil dos moradores da costa. Contudo, o essencial é que, na esfera da realidade palpável ou no reino encantado da fantasia, a sinfonia do Lago de Camboinha continua a vibrar, tocando os corações e relembrando a todos que a arte, quando infundida com amor puro e genuíno, detém o poder singular de transformar o comum em extraordinário e perpetuar instantes fugazes de beleza única e especial.
- Assim narrou Primolius!
FIM
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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0401