* Nº 0090 - UM EMÍLIO... UM RODRIGUES - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
(Direto de Mayandeua)
Um grito rouco de arara, matiz azul e amarelo cortando o ar úmido, ecoa como um chamado ancestral, vibrando nas fibras dos troncos centenários e despertando a sinfonia da vida nas margens sinuosas dos rios feito por homens . Não apenas um grito, mas uma saudação vibrante, um elo sonoro com os espíritos da floresta. Lentamente, um jabuti de carapaça musgosa eleva o pescoço enrugado, seus olhos amendoados refletindo a dança efêmera do tempo, imerso em contemplação. Uma cutia ágil, pelagem em tons de ébano, não apenas corre, mas desliza com a graça de um bailarino entrelaçando-se nos galhos, a luz do sol filtrada pelas esmeraldas das folhas pincelando seus pelos com reflexos dourados.
Corpos ágeis e patas habilidosas se embaraçam em brincadeiras aéreas: uma comunidade de macacos, cada um com sua personalidade distinta, tece trajetórias invisíveis entre as copas das árvores, saltando com a desenvoltura de acrobatas nascidos para desafiar a gravidade, seus risos e guinchos se misturando ao coro da floresta no Centro desta capital .
A anta, gigante gentil de pelo castanho-acinzentado, não apenas cochila, mas repousa em um estado de profunda serenidade, um sorriso quase imperceptível curvando seus lábios grossos enquanto seus resíduos fertilizam a terra – um lembrete humilde da intrínseca conexão entre todos os seres, onde até o mais básico dos atos carrega a sabedoria cíclica da natureza. Um tucano, peito alaranjado flamejante e bico multicolorido como uma obra de arte abstrata, aguarda com paciência ancestral a explosão doce dos frutos maduros, seus olhos curiosos e suas penas vibrantes ostentando as cores intensas da Amazônia, como se um artista divino tivesse usado a própria seiva da mata para pintá-lo.
Nas águas rasas e cristalinas, não apenas ariranhas brincam, mas uma família inteira de lontras gigantes dança e mergulha em perfeita sincronia, seus corpos esguios deslizando com elegância, emitindo tipo assobios comunicativos. Nas profundezas do pequeno igarapé, pirarucus de escamas reluzentes não apenas sussurram segredos, mas compartilham a sabedoria silenciosa das correntezas com os cardumes menores, a água vibrando com histórias não ditas. E nas margens lodosas, jacarés imponentes não apenas permanecem imóveis, mas repousam como sentinelas ancestrais, suas pupilas fendas guardando os enigmas insondáveis do rio.
Na morada dos guarás, a surpresa transcende a mera observação: um balé de estrelas escarlates irrompe em voo, cada pássaro flamejante interpretando um vermelho incandescente, uma tonalidade única que parece pulsar diretamente do coração pulsante da floresta daquela cidade, colorindo o ar com a intensidade da vida selvagem. Tracajás de cascos adornados por desenhos geométricos não apenas tomam banho de sol, mas nadam à flor d'água com uma curiosidade ancestral, seus olhos redondos e atentos fixos nos intrusos curiosos, os fotógrafos que buscam aprisionar sua quietude milenar em fragmentos de tempo. Nas profundezas sombrias, um poraquê, não apenas elétrico, mas envolto em um mistério de outras luzes, desliza silenciosamente entre as lajotas azuis, um raio vivo em um aquário natural, enquanto fauna e flora executam uma dança intrincada de coexistência harmoniosa.
Peixes de escamas não apenas "amamentam" a areia, mas delicadamente filtram os minerais essenciais, nutrindo o leito do rio do aquário em um ciclo invisível de sustentação. Águas escuras e quase profundas não apenas refletem o silêncio, mas espelham a vastidão insondável daquele aquário noturno, prenhe de segredos e vida oculta. Garças esguias não apenas caminham lentamente, mas deslizam com uma elegância de ondas de mar, suas plumagens brancas e macias ondulando ao vento como véus de seda, seus bicos longos e penas alvas ansiando pela liberdade que transcende os limites visíveis. Grutas úmidas e frescas não apenas esperam os namorados, mas sussurram canções antigas de amor e confidências trocadas sob o manto aveludado da noite ou início das manhãs naqueles recintos, testemunhas silenciosas de juras apaixonadas.
Árvores colossais, com suas copas frondosas alcançando os céus, erguem-se majestosamente no coração pulsante desta metrópole amazônica, não apenas trazendo consigo o frescor do vento, mas abrigando intrincadas comunidades de formigas diligentes e uma miríade de outros seres minúsculos que se comunicam em uma linguagem ancestral, decifrada apenas por aqueles que se conectam com o ritmo da natureza. Homens e mulheres não apenas respiram a umidade densa, mas inalam a própria essência da floresta, seus pulmões se enchendo da vitalidade verde que permeia o ar. E novamente, os macacos travessos não apenas aparecem, mas irrompem em performances acrobáticas espontâneas, seus rabos ágeis balançando no ar, seus pulos e brincadeiras ecoando com alegria contagiante tanto nos espaços verdejantes do Emílio quanto na tranquilidade do Rodrigues. Tudo converge, tudo se conecta, tudo respira o verde exuberante de Belém.
Uma canoa de madeira escura, entalhada, e guardada pela Mãe D´água , desliza suavemente pelas águas calmas, não apenas levando crianças, mas transportando sonhos e curiosidades, seus sorrisos radiantes e olhos arregalados fixos nos tambaquis prateados que nadam em cardumes abaixo, um vislumbre da riqueza aquática que pulsa sob a superfície. E ela a Mãe D'água, figura nossa, permanece etérea e observadora, seus olhos invisíveis acompanhando o trabalho dos fotógrafos, talvez sorrindo com a tentativa humana de capturar a magia da natureza. Dona ema, com suas poucas penas eriçadas pelo vento, irradia uma aura de renovação, não apenas parecendo apaixonada, mas encontrando uma nova melodia em seu canto, um novo propósito em sua dança pela vida. Bancos rústicos de cimento e ferro, adornados com musgo verdejante, acolhem corpos cansados, oferecendo um refúgio para a contemplação. Coreto antigos, com sua arquitetura delicada, ecoam risos e melodias em dias de festa, abrigando não apenas eventos, mas a celebração da comunidade. E o chafariz, com seu borbulhar suave, não apenas acaricia as folhas, mas banha a vegetação com uma carícia úmida e revitalizante, sussurrando segredos ancestrais à flora local.
Cobras de escamas brilhantes e padrões hipnotizantes não apenas se entrelaçam nos paus e galhos menores, mas repousam em poses teatrais, seus corpos sinuosos fingindo um sono profundo enquanto seus olhos observam curiosamente as lentes das câmeras, modelos relutantes em um palco natural. Na superfície espelhada do lago sereno, uma flor singular desabrocha nesta madrugada: não apenas um lótus, mas uma manifestação da beleza cabocla, uma vitória-régia perfeita, suas folhas circulares e imponentes como um trono verde esmeralda. No Rodrigues Alves, a sinfonia do verde se intensifica, em camadas e nuances infinitas. No Emílio Goeldi, a paleta do verde se expande, revelando tons vibrantes e sutis em cada folha e caule.
Sapopemas, Samaumeiras imponentes, com suas raízes tabulares abraçando a terra como braços ancestrais, e castanheiras e andirobeiras centenárias, com seus troncos rugosos que parecem esculpidos em pedra viva, abrigam não apenas a flora exuberante, mas os espíritos guardiões da floresta – o brincalhão Curupira e o misterioso Mapinguari – no próprio coração pulsante da cidade. Eles se acostumaram com a cacofonia distante das buzinas e do burburinho urbano, mas continuam a proteger este santuário sagrado com sua presença invisível. Estátuas imponentes, testemunhas silenciosas do passado, guardam as entradas como portais para outro mundo, enquanto a astuta Caipora se esconde em algum recanto sombreado, observando os visitantes com seus olhos brilhantes e travessos.
Pirarucus majestosos, com suas escamas vermelhas e texturizadas, não apenas parecem lisos como o muçum, mas exibem uma beleza rústica e imponente, suas caras achatadas e bocas largas atraindo olhares curiosos nestes refúgios de tranquilidade sonora. A mata densa e fechada, um labirinto verdejante, revela não apenas folhagens de todos os tamanhos, mas uma explosão de cheiros terrosos e doces, e caminhos estreitos que convidam a uma jornada de descoberta. Uma filha, com seus cabelos cor de mel e a energia contagiante da infância, não apenas corre feliz, mas se entrega à magia do lugar, perdendo-se e reencontrando-se entre os troncos das árvores, enquanto o canto melodioso dos periquitos verdes e azuis ecoa histórias ancestrais de nossa única cultura.
Cerâmicas marajoaras intricadamente decoradas, fragmentos de pedra com inscrições misteriosas, utensílios rústicos que contam histórias de subsistência e casas de farinha reconstruídas com esmero compõem um acervo vivo desta terra amada, um testemunho da riqueza cultural que se entrelaça com a natureza exuberante. Uma menina, chamada Marília, continua sua exploração curiosa, enquanto visões e ecos de cantos diversos, de rituais e celebrações, preenchem o ar com a alma vibrante do Pará. Balões coloridos e brinquedos artesanais de miriti enfeitam os portões de saída, lembranças da alegria efêmera da infância e da criatividade local. Crianças, com seus rostos pintados com terra e sorrisos espontâneos, brincam de ser natureza, imitando os sons dos animais e explorando os cantos escondidos. E o domingo festivo, com sua atmosfera leve e acolhedora, sacia a sede de muitos por conexão com a natureza e a cultura local.
Senhores e senhoras, com suas rugas marcadas pelo sol e suas histórias de vida entrelaçadas com a da cidade, não apenas pensam na vida, mas compartilham conversas amenas enquanto saboreiam os sabores autênticos da terra – sucos de frutas exóticas e bolos caseiros com ingredientes regionais. Malocas rústicas, com seus telhados de palha e aromas convidativos, não apenas excitam a gulodice dos visitantes, mas oferecem um portal para a culinária tradicional amazônica. E o bosque e o museu, juntos, funcionam como um livro vivo da natureza, um espaço de aprendizado contínuo, resguardando seus preciosos habitantes e ensinando lições valiosas que só a floresta, com sua sabedoria ancestral, pode oferecer. Um macaco travesso, com seus olhos espertos e movimentos ágeis, tenta, com sua ousadia peculiar, arquitetar uma nova travessura, enquanto um guarda, talvez cansado pelo calor da tarde, cochila discretamente sob a sombra de uma mangueira frondosa.
No próximo domingo, a alegria se intensificará com a celebração dos Cordões de Pássaros! Belém é assim, uma tapeçaria complexa de verde vibrante e vida pulsante… É verde na essência, quando se permite sentir a sua verdadeira alma. E assim, enquanto a metrópole pulsa em um ritmo do lado de fora destes paraísos, entre o concreto que busca o céu e a selva que abraça a terra, resta-nos a dádiva de sentir o toque suave do frescor das folhas na pele, inalar o aroma terroso da terra úmida e escutar a melodia incessante dos pássaros que, com sua persistência admirável, ainda insistem em cantar as suas canções de esperança e beleza. Belém ainda é verde, não apenas na exuberância de sua vegetação, mas profundamente enraizada na alma daqueles que se permitem silenciar e ouvir, com o coração aberto, a voz ancestral e vibrante da Amazônia.
- E nas mãos de minha criança....
- Brinquedo de madeira fazendo "tok- tok" na avenida do tempo....
FIM
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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0090