* N ° 0886 - O TAMACUARÉ NA REDE DE DORMIR - SÉRIE: CONTOS DE MAYANDEUA


Rytergus e Polynus estavam sentados em suas redes à beira de um igarapé, no coração da Amazônia. O sol começava a se pôr, tingindo o céu de um laranja suave enquanto o som da floresta os envolvia. As redes balançavam suavemente, acompanhando o movimento das águas calmas, e as palavras pareciam surgir com a leveza que só os conhecedores da floresta possuem.

RytergusJ, com os olhos fixos nas copas das árvores, começou a falar:

— Sabe, Polynus, sempre ouvi dizer que o homem tamacuaré é como aquele lagarto que aparece do nada, se esconde nos galhos e some nas águas. De vez em quando me pergunto se nós não somos como ele, quietos, tentando passar despercebidos no meio dessa imensidão verde.

Polynus, de olhar atento e com o rosto marcado pelos anos vividos no interior da floresta, balançou a cabeça em sinal de concordância, mas logo completou:

— E não é? O tamacuaré é um bicho esperto, parece invisível. Só quem conhece bem o lugar sabe que ele está lá, camuflado no tronco, na cor do galho, esperando o perigo passar. De dia, ele anda devagarinho, e à noite, dorme nos galhos acima do igarapé. É quase como se ele fizesse parte da própria floresta. Se não prestarmos atenção, nem vemos.

Rytergus, pensativo, continuou:

— E é verdade que quando ele percebe que foi descoberto, ele não fica parado. Salta, mergulha no rio e desaparece na água. Por isso chamam ele de “lagarto mergulhador”. Mas, sabe o que me intriga? São as histórias que o povo conta sobre o tamacuaré ter poderes... Dizem que, se usar o pó ou o chá feito dele, dá pra amansar uma pessoa brava, alguém que perdeu a cabeça.

Polynus soltou uma risada baixa, mas com respeito:

— Isso eu também já ouvi. Dizem que ele acalma, lerdeia a pessoa, porque o bicho é lento, calmo, né? Mas não sei não, Rytergus... Muita gente acredita nisso. Acham que o tamacuaré pode tirar a raiva de alguém que foi traído ou amansar quem anda violento. Mas eu não boto fé nessas histórias, sabe? O que eu sei é que essa crença tem feito mal pro bicho. Tem gente que caça ele só pra essas crendices. E já tem tão pouco tamacuaré por aqui... A floresta tá sendo destruída, os igarapés afinando, e o tamacuaré vai ficando sem lugar pra viver.

Rytergus, olhando o igarapé à frente, suspirou:

— Triste isso. Porque o tamacuaré depende das árvores, dos rios. A floresta é a casa dele. E a gente, Polynus? Será que não é igual? A gente também depende dessas águas, dessas árvores. Somos como ele, vivendo à sombra das árvores e fugindo das ameaças que vêm de fora. Tem muita gente que, como o tamacuaré, só quer se misturar, passar despercebida.

Polynus ficou em silêncio por um momento, e o som das águas e dos pássaros tomou conta da conversa. Quando finalmente falou, sua voz era baixa, quase como se refletisse para si mesmo:

— É... A gente vive tentando se esconder das pressões do mundo, assim como o tamacuaré. A vida é cheia de predadores, né? E a gente tenta se camuflar, fazer com que ninguém perceba, seguir em frente. Mas quando o perigo chega de verdade... às vezes, a única coisa que resta é saltar. Mergulhar fundo e tentar escapar.

Rytergus acenou com a cabeça, absorvendo as palavras do amigo.

— E talvez seja isso, Polynus. O homem tamacuaré, esse que a gente vê na lenda, não é só um homem. É todos nós. Vivemos entre o movimento e a quietude, esperando a hora de agir. A vida é como a maré, vai e vem, e a gente vai navegando conforme o balanço. 

Polynus, já fechando os olhos, se acomodou mais na rede, deixando as últimas palavras escaparem quase como um sussurro:

— No fim, somos todos um pouco como o tamacuaré. Entre o visível e o invisível, tentando encontrar nosso caminho na floresta da vida...

E assim, enquanto a noite tomava conta da floresta e as redes continuavam a balançar, as histórias de homens e lagartos, crenças e realidades, se misturavam na brisa que corria entre as árvores. Como o eco das águas, as palavras ficavam gravadas, mais uma conversa entre caboclos e a floresta, entre o visível e o invisível.

- Conversas de  espera de uma pescaria!


FIM

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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0886





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