* N° 0881 - A NOITE DA MATINTA - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA

 

Era uma noite densa e úmida na ilha de Algodoal. Os barqueiros, acostumados com a solidão das travessias noturnas, reuniam-se na beira do mangue, compartilhando histórias e goles de café. Era segunda-feira, e o movimento de barcos e aves era escasso. A maré estava cheia, trazendo uma sensação de inquietude que pairava no ar. As vozes dos barqueiros, que antes ecoavam em risadas e contos, foram subitamente interrompidas por um som que congelou o sangue de todos ali: uma gargalhada feminina, ecoando entre as ramas do mangue.

Eles se entreolharam em silêncio. A presença era inconfundível, mesmo para aqueles que não acreditavam em lendas. Era ela, a Matinta Pereira. O frio cortante que se seguiu foi diferente de qualquer brisa noturna. Era como se o próprio vento tivesse se retirado, deixando apenas o silêncio e a presença enigmática daquela entidade. O café esfriou rapidamente nas mãos trêmulas dos barqueiros. Sabiam que o momento de partir havia chegado. Entre os barqueiros, um deles precisava atravessar o Canal para retornar à sua casa, nas bandas da Princesa. A despedida foi apressada, mas ele não podia adiar o inevitável. Com cada passo, o silêncio do mangue parecia aumentar. Ele sentia o peso dos olhos invisíveis da Matinta sobre seus ombros, uma presença que ora parecia distante, ora tão próxima que podia sentir sua respiração fria. Atravessar o Canal àquela hora da noite, com a maré começando a secar, era um desafio comum. Mas com a Matinta à espreita, o medo se somava à exaustão física.

O assovio característico da Matinta soou pela primeira vez, cortando o silêncio como uma lâmina. Ele sabia o que aquilo significava: ela o seguia. Seus passos, antes calmos, tornaram-se rápidos, e logo se transformaram em uma corrida desesperada. As areias da ilha, ainda úmidas pela maré, dificultavam sua fuga, mas ele não parava. A escuridão ao seu redor parecia se fechar, apertando-o, tornando cada respiração mais difícil. Quando o farol finalmente apareceu no horizonte, ele sentiu um fio de esperança. A luz, girando lentamente, parecia uma promessa de segurança. Correndo em direção ao farol, sentiu que a Matinta se aproximava cada vez mais, seu assovio sinistro soando mais alto, quase dentro de sua cabeça. Ele sabia que a luz do farol era sua única chance de afastar a entidade.

Ao alcançar o farol, o homem subiu as escadas de ferro apressadamente, ofegante e em pânico. Quando chegou ao topo, a luz do farol banhou seu corpo, afastando as sombras e trazendo alívio. Ele olhou para baixo, para o mangue, mas a Matinta já não estava lá. O assovio cessou, e o silêncio retornou, desta vez mais leve, quase reconfortante. Desceu as escadas com cuidado, ainda sentindo o coração acelerado, mas com a certeza de que, ao menos por aquela noite, havia escapado. Sabia, no entanto, que a Matinta Pereira continuaria rondando a ilha de Algodoal, à espreita de novas vítimas, mas por agora, ele estava seguro.

A travessia naquela noite transformou sua visão da ilha para sempre. O mangue, a areia e o vento continuariam a guardar seus segredos, mas o barqueiro, ao menos naquele momento, havia escapado do abraço frio da Matinta.

- Coisas da ilha!


 FIM

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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0881


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