*Nº 0880 - ARTÉRIA MANGUE - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
Quando o sol cede seu reinado ao véu noturno, o Norte desperta em um espetáculo silencioso, mas cheio de vida. As cores quentes do entardecer se dissipam, deixando espaço para um cenário onde o mar e a terra se abraçam num horizonte infinito. As marés, fiéis ao seu ritmo, carregam consigo o sussurro da brisa salgada, transportando o aroma da maresia que embriaga e acalma. É como se o tempo se movesse junto às águas, fluindo em compasso com a vida que pulsa por essas paragens. Essas são as artérias da noite, o caminho vital que alimenta o coração do Norte, lugar de Mayandeua e Algodoal.
Enquanto a noite se adensa, o murmúrio das águas se espalha, ecoando histórias de lugares distantes. É uma sinfonia ancestral, onde cada onda, cada corrente, traz consigo fragmentos de uma narrativa que se entrelaça com o presente. Nos reinos submersos, criaturas estranhas tecem suas existências, longe dos olhares curiosos dos humanos. São cidades encantadas, onde os habitantes do fundo do mar realizam suas tarefas cotidianas, como se fossem os cronistas do grande oceano. Cada movimento, cada som, é um eco da Terra viva, pulsante e eterna. No meio desse vasto emaranhado de vida, há uma figura incansável: Maya. Durante o dia, ela é apenas mais uma entre os habitantes do Norte, mas quando a escuridão cai, ela se torna a guardiã dos manguezais. Com a noite, os mangues se transformam, conectando-se a algo maior, algo místico. É então que os Portais se abrem, e figuras encantadas surgem, saídas das lendas antigas. São os guardiões, seres de outro tempo, que trazem consigo a paz e o equilíbrio às ilhas e aos seus habitantes.
Essas artérias invisíveis, que poucos conseguem perceber, são a força vital que mantém o Norte em movimento. São as veias da Terra-Mãe, alimentando seus filhos com histórias e sabedoria antiga. A luz suave que atravessa as folhas dos mangues é um último suspiro do dia que se despede, enquanto os pássaros se recolhem e a mítica Boiúna desperta, movendo-se silenciosa nas águas escuras. O mangue, agora envolto em tranquilidade, se torna um refúgio para os morcegos que voam em círculos sob o céu estrelado. À medida que a escuridão se aprofunda, os tambores curimbós ecoam pelas vilas de Algodoal e Fortalezinha. Em Camboinha os moradores surge o chamado dos pescadores, que preparam suas embarcações para mais uma noite no mar. Os carapanãs surgem como sombras furtivas, e nas clareiras dos mutás, as feiticeiras se reúnem, invocando forças que só a noite compreende. Os remos e motores iniciam sua jornada, cortando as águas silenciosas enquanto a Boiúna, sempre vigilante, observa.
E enquanto o mundo dorme, Maya continua sua vigília. Ela entrelaça as artérias da noite com destreza, tecendo histórias, conectando vidas e sonhos nas terras mágicas do Norte. Essas terras, onde o mistério e a realidade se encontram, são mantidas vivas pelo trabalho incansável de Maya e pelas artérias que ela cuida com tanto zelo. Aqui, o tempo não é apenas uma medida; é uma dança, uma narrativa contínua que se desenrola a cada batida do coração da noite.
FIM
Copyright de Britto, 2022
Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0880