*Nº 0870 - MEMÓRIAS NA COZINHA - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA

 


Havia uma avó e seu neto de oito anos que viviam em uma parte remota da grande Amazônia. O menino, cheio de sonhos de se tornar cozinheiro, passava horas na cozinha simples, onde o tempo parecia ter seu próprio ritmo, aprendendo a valorizar os pequenos gestos e sabores com a vovó. Entre tantos ensinamentos, um dos mais marcantes foi sobre a curera. Para quem não sabe, curera são os restos de farinha-d’água que, por serem grossos demais, não passam no crivo da gurupena. E foi com esses restos que a vovó fazia o bolo carimã. As manhãs começavam com o canto dos sabiás e o cheiro inconfundível de mandioca no ar. Ele acordava cedo, empolgado para ajudar na cozinha. A vovó já estava lá, seu avental marcado pelas muitas receitas que preparava, e um sorriso que sempre o acolhia.

"Vamos lá, meu pequeno ajudante", ela dizia, e juntos começavam o ritual. A primeira etapa era ralar a mandioca. Ele, com suas mãos pequenas e desajeitadas, tentava imitar os movimentos precisos da vovó. Ela ria da sua seriedade e, pacientemente, mostrava-lhe como segurar a mandioca firmemente. Depois vinha a parte da gurupena. A massa passava pela peneira, mas sempre restavam aqueles pedaços grossos, a curera. "Esses aqui são especiais", ela explicava, seus olhos brilhando com a sabedoria simples de quem sabe aproveitar tudo o que a natureza oferece.

A curera, então, era misturada com água e deixada para descansar. Esse tempo de espera era preenchido com histórias da infância da vovó, de como ela também aprendia na cozinha da mãe dela. Contava de um tempo em que nada era desperdiçado, e cada pedacinho de mandioca tinha seu valor. Ele ouvia fascinado, sentindo-se parte de uma longa linha de aprendizes. Depois de um tempo, voltavam à massa que agora tinha uma textura diferente, mais macia. Com mãos habilidosas, a vovó moldava os bolos, e ele, ao seu lado, fazia seus próprios bolinhos desajeitados. Ela sempre o encorajava, dizendo que um dia ele também teria mãos experientes.

Os bolos iam para o forno a lenha, e a cozinha se enchia com o aroma doce e terroso da mandioca assando. A espera era quase insuportável para ele, mas a vovó dizia que a paciência era um ingrediente essencial. Quando finalmente os bolos ficavam prontos, cada mordida era uma explosão de sabor. Esses momentos na cozinha da vovó são lembranças que ele guarda com carinho. O aprendizado com a curera e o bolo carimã vai além da culinária. São lições de paciência, respeito pela natureza e valorização das pequenas coisas. Hoje, sempre que alguém vê mandioca e se lembra das histórias passadas de geração em geração, eles sentem a presença daquela vovó amorosa, que ensinou a todos que o sabor da vida está nos detalhes mais singelos. E o menino, agora crescido, sempre leva consigo as lições aprendidas naquelas manhãs ensolaradas na Amazônia, onde cada receita é um tributo à sabedoria e ao amor incondicional da sua vovó.

O menino cresceu, levando consigo todas as lições preciosas que sua avó lhe ensinou. Anos se passaram, e ele se tornou um renomado chef, conhecido por incorporar a simplicidade e o respeito pelos ingredientes em cada prato que preparava. Mas, por mais que sua carreira o levasse para longe, o coração dele sempre retornava àquela cozinha simples na Amazônia.

- Uma lágrima foi gerada e caiu no ventre da terra.

- Eis a saudade daquele Homem- menino!


FIM

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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0870


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