*Nº 0835 - CÉU DE ALGODOAL/MAYANDEUA - SÉRIE: CRÔNICAS DE MAYANDEUA
Desde criança, ele descobriu que o mundo é um caleidoscópio de cores e que os pássaros são artistas inatos, mestres em criar obras de arte nos céus. Sentado no quintal de casa, observava com fascínio os passarinhos construindo seus ninhos, cada galho e folha escolhidos com precisão artesanal. Admirava as penas vibrantes que reluziam ao sol e os cantos harmoniosos que ecoavam como sinfonias naturais. Para ele, aqueles pássaros eram pintores e músicos do céu, embelezando o mundo com suas habilidades únicas.
À noite, sob o manto estrelado, ele passava horas contemplando o cosmos. Contava estrelas e criava histórias para cada constelação, produzindo narrativas que viajavam por mundos distantes. Esperava ansioso o pai chegar, as luzes da sala acesas projetando sombras que dançavam nas paredes como fantasmas amigáveis. Aquela espera era sempre cheia de expectativa e esperança, transformando-se em um ritual noturno que aquecia seu coração infantil. A presença do pai, embora breve, trazia conforto e segurança, alimentando seus sonhos. Quando chovia, ele via o fenômeno de uma maneira única. Enquanto muitos corriam para se abrigar, ele permanecia sob a varanda, observando as gotas caírem do céu como lágrimas de um amor eterno. Para ele, a chuva não era apenas água; era a expressão do afeto celeste, uma manifestação de sentimentos profundos e misteriosos. O som das gotas batendo no telhado era uma melodia melancólica e reconfortante, que o fazia sentir-se conectado com algo maior.
Durante os dias ensolarados, ele caminhava pelas ruas, atento a cada detalhe. As vitrines das lojas, com seus preços em destaque, eram um campo de estudo. Passava horas comparando valores, analisando ofertas, procurando o melhor negócio. Esse hábito, adquirido desde cedo, fez dele um verdadeiro caçador de preços, sempre em busca da melhor oportunidade. Com o tempo, essa curiosidade e atenção aos detalhes se tornaram parte de sua personalidade. Aprendeu a ver o mundo com olhos de encantamento e análise, encontrando beleza e valor nas pequenas coisas.
Cada pássaro, cada estrela, cada gota de chuva e cada etiqueta de preço tinham seu próprio significado, compondo o mosaico de sua vida. A paixão pelos pássaros o levou a estudar ornitologia, e a fascinação pelas estrelas o fez aprender astronomia. O amor pela chuva o inspirou a escrever poesias, e o hábito de comparar preços o conduziu ao mundo dos negócios. Assim, ele se tornou um adulto multifacetado, capaz de unir a sensibilidade artística à precisão analítica. Relembrando suas raízes, ele sempre se recordava das tardes coloridas de infância, das noites estreladas, das chuvas apaixonadas e das caminhadas pelas ruas. Essas memórias eram como um guia, lembrando-o de que a vida é feita de momentos simples, mas significativos. E, ao final de cada dia, ele ainda esperava, com o mesmo fervor de criança, que a vida lhe trouxesse mais uma oportunidade de ver o mundo de forma única e especial.
No entanto, com o passar dos anos, o pai tornou-se uma lembrança distante, uma figura que habitava tanto seus sonhos quanto suas memórias. Essa ausência deixava uma emoção diferente naquele homem agora maduro, uma mistura de saudade e gratidão pelas lições aprendidas e pelos momentos compartilhados.
Agora, ele vive em uma casa de frente para o mar, na tranquila ilha de Algodoal. De sua varanda, observa o horizonte infinito, onde o céu se encontra com o oceano em um abraço eterno. A brisa salgada acaricia seu rosto enquanto ele coleciona nomes de estrelas e escuta o suave murmúrio das ondas. O som dos pássaros ao amanhecer e o brilho das estrelas à noite continuam a encantá-lo, lembrando-o das maravilhas do mundo e da eterna conexão com a natureza.
Ele sabe que, assim como os pássaros que constroem seus ninhos com cuidado e os navegantes que seguem as estrelas, sua vida é uma jornada de descobertas e aprendizados. Cada experiência, cada lembrança, cada instante vivido é uma tapeçaria de sua existência. E, mesmo com o passar do tempo, a criança que admirava os passarinhos no quintal ainda vive dentro dele, olhando para o mundo com olhos de encanto e gratidão. E lá está ele, em sua varanda de frente ao mar, um observador de estrelas, um poeta das chuvas , vivendo cada dia com o mesmo espírito aventureiro e coração aberto que o guiou desde a infância.
- As estrelas de Maya para ele, brilham diferente.
- E lá distante... Outro barco vai chegando...
FIM
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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0835