Nº 0801 - NOS TRAPICHES DE MAYA - CRÔNICA

 


Lembranças de 1999

Na tranquila vila à beira-mar, o barco de pesca erguia-se como um ícone, uma testemunha silenciosa dos ciclos da vida e das marés da existência. Mais que um simples meio de transporte, ele era um símbolo vivo da alma da comunidade, entrelaçando destinos e tecendo laços indissolúveis entre o povo e o mar que os abraçava.

Quando o barco de pesca despontava no horizonte, seu casco cortando as águas com a promessa dos sonhos e das jornadas dos pescadores, toda a vila se erguia em reverência. A partida era um ritual solene, permeado pela esperança de uma pesca farta, pelo temor das águas revoltas e pela saudade antecipada daqueles que partiam para enfrentar os mistérios do oceano. Uma mulher, com o coração apertado pela despedida do marido, contemplava em silêncio o horizonte distante. Seu filho, ainda jovem e já confrontado com as agruras da vida marítima, derramava lágrimas silenciosas pela partida do pai, antevendo os perigos que aguardavam na vastidão das águas.

Enquanto o barco de pesca se afastava, um silêncio pesado se abatia sobre a vila. Os pássaros cessavam seu canto, o vento parecia hesitar em suas carícias e até mesmo o sol se recolhia, encoberto por nuvens de melancolia. Os habitantes, habituados a celebrar as chegadas e partidas, permaneciam em respeitoso silêncio, incapazes de festejar na ausência do pescador que partira em busca do sustento.

O retorno do barco de pesca, meses depois, era aguardado com uma mescla de esperança e apreensão. A vila inteira se congregava no pequeno porto, olhos fixos no horizonte, à espera de notícias. Se o barco retornasse com suas redes repletas de peixes, era recebido com júbilo e festa. Porém, nem sempre o retorno era motivo de regozijo. Em algumas ocasiões, o barco voltava vazio, trazendo consigo apenas a sombra da tristeza e da desilusão. Entre partidas e retornos, o barco de pesca permanecia como testemunha e guardião da vida naquela vila costeira. Ele presenciava as alegrias e as dores, os desafios e as conquistas daquele povo onde muitos dependiam das águas para subsistir.

Sob o olhar vigilante do barco de pesca, a vida seguia, entre tempestades e bonanças, na eterna dança entre o homem e o mar. Mais que um simples barco de pesca, ele era um elo que unia os corações dos que ficavam aos que partiam, uma testemunha silenciosa das histórias de vida, trabalho e fé que se desenrolavam naquelas comunidades de Mayandeua e Algodoal.

As narrativas do barco de pesca ecoavam pelas ruas das vilas, estas, sendo Algodoal, Camboinha, Fortalezinha e Mocooca  entrelaçavam-se em suas histórias contadas e recontadas por gerações. As crianças sonhavam em seguir os passos dos pescadores, desbravando as ondas em busca de sustento e aventura, enquanto os adultos encontravam nele um símbolo de esperança, um lembrete de que, mesmo diante das adversidades, a vida segue seu curso inexorável. Assim o barco de pesca era mais que um simples meio de navegação; era um símbolo da alma da vila à beira-mar. Representava a força, a resiliência e a esperança de um povo que vivia em harmonia com o mar, buscando dele não apenas o sustento material, mas também a inspiração para seus sonhos e alicerces para as suas próprias memórias de vida.

- Histórias de trapiches. 

- Maya ainda resiste!


FIM

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Projeto Musical e Literário Primolius N° 0801


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