*Nº 0682 - REINO ENCANTADO DAS CABOCLAS D´ÁGUA - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA
Na ilha de Mayandeua, as águas sempre foram mais do que apenas fontes de vida para seus habitantes; elas eram guardadas com devoção e respeito, em virtude da presença das lendárias Caboclas d'Água. Amigas íntimas da princesa da ilha, essas entidades sobrenaturais eram encarregadas de proteger os lagos, furos e a entrada do Furo-Velho, um ponto crucial para o equilíbrio das águas que sustentavam toda a região de Maya.
As Caboclas d'Água eram figuras míticas, conhecidas por sua habilidade de controlar os corpos d'água e de castigar aqueles que se atrevessem a desrespeitar a natureza. Mas, por trás de sua força e poder, existia uma relação profunda e mística com os habitantes da ilha, uma conexão que transcendia o físico, enraizada no respeito mútuo e na convivência harmoniosa com o meio ambiente.
Em uma das muitas noites de lua crescente, quando as guardiãs das águas se reuniam para realizar seus rituais sagrados junto à princesa e às entidades encantadas dos manguezais, algo inusitado aconteceu. Entre as sombras iluminadas pelo suave brilho da lua, uma das Caboclas d'Água, chamada Yaruna, apareceu com uma postura diferente. Seus olhos brilhavam com uma intensidade incomum, e sua voz, geralmente firme e autoritária, trazia um tom mais suave e envolvente.
Yaruna, como todas as Caboclas d'Água, era uma guardiã fiel e incansável, mas, ao longo dos anos, algo mudou. Durante suas vigílias e encontros com os humanos que viviam na ilha, ela se interessara por um jovem morador, alguém que, diferentemente de muitos, tratava as águas com extrema reverência. Ele era um pescador chamado Eron, um homem humilde que passava suas manhãs navegando pelos lagos e suas tardes cuidando da natureza ao seu redor. Eron, silenciosamente, observava e respeitava a vida em Mayandeua, oferecendo presentes simbólicos às águas e aos manguezais em sinal de gratidão pelos frutos que recebia para seu sustento.
Sem que Eron soubesse, suas ações haviam conquistado o coração da guardiã. Nos muitos encontros velados entre o homem e as águas, Yaruna desenvolveu um afeto profundo, algo que raramente acontecia entre as Caboclas e os mortais. Com o tempo, o desejo de se aproximar de Eron tornou-se uma necessidade para Yaruna, que passou a visitá-lo em forma de sonho, sussurrando segredos das águas enquanto ele dormia.
Naquela noite especial, durante o ritual sob a lua crescente, Yaruna tomou coragem e fez um pedido incomum às outras Caboclas e à princesa: ela desejava casar-se com Eron. O pedido causou espanto entre os presentes, pois as Caboclas d'Água eram conhecidas por sua natureza distante e quase intangível, raramente se envolvendo de forma tão íntima com os mortais. Contudo, a princesa, sempre sábia, compreendeu a profundidade do sentimento de Yaruna e não se opôs. Ela sabia que, por vezes, o destino unia mundos diferentes para ensinar lições profundas sobre equilíbrio, amor e respeito.
As outras Caboclas, após refletirem sobre o pedido, também deram seu consentimento. Elas sabiam que Yaruna era uma guardiã responsável e que seu desejo não enfraqueceria seus deveres, mas, ao contrário, poderia fortalecer os laços entre o reino encantado e os humanos que dependiam da natureza de Mayandeua.
Com a aprovação de suas irmãs e da princesa, Yaruna decidiu revelar-se a Eron. Certa manhã, enquanto ele navegava solitário, a Cabocla emergiu das águas diante dele, sua forma etérea brilhando sob o sol. Eron, surpreso, reconheceu-a dos sonhos que tivera ao longo dos meses. Com uma voz suave, Yaruna confessou seu amor e explicou sua proposta: ela o protegeria e estaria ao seu lado, desde que ele continuasse a respeitar e cuidar das águas da ilha.
Eron, embora tomado pelo espanto e pela surpresa, sentiu que sua ligação com as águas sempre fora especial. Ele aceitava com humildade o pedido de Yaruna, entendendo que aquele casamento não era apenas uma união entre ele e a Cabocla, mas um pacto de amor e respeito com a natureza em si. A notícia do casamento entre Eron e Yaruna se espalhou rapidamente pela ilha. Os habitantes, inicialmente céticos, logo entenderam a importância daquele evento. A união entre o mortal e a guardiã das águas trouxe bênçãos à ilha: as colheitas se tornaram mais abundantes, os pescadores encontraram maior fartura, e as águas de Mayandeua pareciam ainda mais calmas e protegidas.
Desde então, Eron tornou-se não apenas um pescador, mas também um guardião das águas, ajudando a preservar os lagos e os manguezais ao lado de Yaruna. Dizem que, nos dias de lua cheia, os dois podem ser vistos caminhando juntos pelas margens dos lagos, suas figuras refletidas nas águas, como um símbolo eterno da união entre o homem e a natureza, entre o mundo dos mortais e o reino dos encantados.
Assim, a história de Yaruna e Eron é contada nas rodas de conversa, como um exemplo de como o amor pode transcender barreiras e trazer harmonia entre dois mundos aparentemente distantes, mas intrinsecamente conectados.
Mas, depois Primolius contará mais estórias sobre este fato.
E é e foi!
FIM
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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0682