*Nº 0657 - TRITÕES DE MAYANDEUA - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA

 

No fundo do vasto e misterioso oceano, uma guerra silenciosa e antiga estava sendo travada. De um lado, os humanos, movidos por diferentes motivações: alguns, fascinados pela beleza e pelo mistério das lendas sobre sereias e outras criaturas mágicas, viam a captura dessas entidades como uma prova de bravura. Já outros, como pescadores predatórios, eram impulsionados pela ganância, saqueando o mar em busca de riquezas, sem qualquer respeito pela vida marinha ou pelo equilíbrio do ecossistema.

Entre esses caçadores estava Iverçis, um homem temido e respeitado, líder de um grupo que dedicava sua vida a capturar sereias. Ele acreditava que prender uma dessas criaturas e trazer um pedaço dela como troféu aumentaria seu prestígio entre os homens de sua vila. Em uma de suas caçadas, após dias de perseguição, ele finalmente avistou sua presa: uma jovem sereia de cauda azul brilhante, presa em suas redes, lutando desesperadamente para se libertar. Sua beleza era indescritível, mas o medo em seus olhos verdes e a fúria que emanava eram igualmente intensos.

Convencido de que a vitória estava garantida, Iverçis se aproximou com a faca em uma mão e um saco na outra, pronto para cortar uma mecha dos cabelos loiros da sereia. Mas, ao tocar a criatura, algo inesperado aconteceu. Uma onda de energia mágica o envolveu, tirando-lhe o controle dos próprios movimentos. Desorientado, ele caiu de joelhos na areia, sua visão embaçada pela força da magia. "O que você fez comigo?", gritou Iverçis, a faca caindo de sua mão enquanto sentia um calor crescente em seu peito. A sereia, agora um pouco mais calma, respondeu com uma voz rouca e firme: "Eu te amaldiçoei. Agora, você sentirá o que é ser caçado."

Antes que pudesse reagir, Iverçis sentiu uma força sobrenatural puxando-o para as profundezas do mar. Ele tentou lutar, mas cada movimento era inútil. O pânico tomou conta quando ele olhou para baixo e viu seu corpo começando a se transformar. Suas pernas se fundiam, sua pele adquiria uma textura escamosa, e, em poucos instantes, ele deixou de ser humano. Tornou-se um tritão, com uma longa cauda prateada no lugar de suas pernas.

Arrastado para o fundo, Iverçis foi levado ao navio da Rainha das Sereias, uma majestosa criatura com uma cauda esverdeada e cabelos negros como a noite. Ela o observava com frieza, mas também com uma profunda tristeza. A rainha perguntou a Iverçis por que os humanos insistiam em caçar suas irmãs e irmãos do mar. Ele tentou explicar que suas ações eram impulsionadas pela ganância e pela busca por prestígio, mas suas palavras pareciam insignificantes diante da sabedoria e do poder da rainha.

"Vocês destroem nossos lares e matam sem pensar," disse a Rainha das Sereias, sua voz carregada de dor. "Suas ações têm consequências que vão além do que vocês podem compreender." Aquelas palavras ecoaram dentro de Iverçis, e pela primeira vez em sua vida, ele sentiu um profundo arrependimento. Percebendo a sinceridade de seu arrependimento, a rainha o libertou, mas o avisou de que jamais seria humano novamente. Sua punição era viver como tritão, conhecendo o sofrimento de ser caçado e combatendo aqueles que, como ele um dia fora, agiam por ganância.

De volta à superfície, Iverçis encontrou seus homens, que não o reconheceram na nova forma. Apavorados com a figura do tritão à sua frente, eles apontaram suas armas e se prepararam para atacá-lo. Antes que pudessem disparar, uma onda gigantesca surgiu e destruiu o barco de seus antigos companheiros, varrendo-os para longe. Iverçis foi salvo pela mesma sereia que tentara capturar.

Ao longo dos dias seguintes, ele passou a conviver entre as sereias e outras criaturas do mar, sendo aceito por aqueles que antes eram seus inimigos. Aos poucos, Iverçis se transformou de caçador em aliado, lutando ao lado da Rainha das Sereias para proteger o oceano e seus habitantes das ações destrutivas dos humanos. Com o tempo, Iverçis se tornou um defensor fervoroso da paz entre os dois mundos. Ele ajudou a criar leis de proteção ambiental e a conscientizar outros humanos sobre os perigos da exploração predatória dos mares. Agora, ao invés de usar a violência, ele promovia o diálogo e a convivência pacífica entre os humanos e as criaturas mágicas do oceano, determinado a construir um futuro melhor para todos.

A guerra entre os dois mundos não acabou de imediato, mas com Iverçis ao lado das sereias, um novo capítulo se iniciou — um capítulo onde o entendimento e a cooperação poderiam, finalmente, superar a destruição.

- Assim Primolius narrou em uma conversa de espera "de maré" encher...


FIM

© Copyright de Britto, 2021 – Pocket Zine 

Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0657

Mensagens populares