* Nº 0489 - POLIFONIA DE ILHAS - SÉRIE: CONTOS DE MAYANDEUA

 




Em uma casa antiga e serena, um móvel de tempos idos, uma cadeira, oscilava sob a invisível atividade frenética dos cupins. Por entre as frestas da madeira, desfrutavam de uma inusitada celebração sem som, dançando ao ritmo do cair da noite, banqueteando-se com histórias muito além da memória dos homens.

Enquanto isso, sob o teto estalado, o verde dos olhos de um gato sarnento espiava, curioso, o incompreendido júbilo dos pequenos insetos. Resignado e preguiçoso, decidiu deixá-los ao seu baile, preferindo entregar-se ao doce nirvana de uma soneca.

Isolada, porém não sozinha, justaposta a esse balé de estranha maravilha e degradação, repousava a querida figura da matriarca. Envelhecida, a vovó encontrava descanso em uma cadeira cujos anos também cobraram seu preço. Em suas mãos macias e rugosas, um terço de contas delicadas e gastas descansava; sua fé imutável fluindo através das repetitivas orações silenciosamente murmuradas, dispersas pela brisa suave que trespassava a janela parcialmente aberta.

As contas deslizavam por entre os dedos, canções de fé sussurradas ao Criador permeavam o ar, trazendo à casa uma atmosfera quase tangível de paz e serenidade. Até a polifonia invisível dos cupins parecia dar uma pausa reverente a esse sagrado momento.

Nessa modesta morada, o quotidiano era entrelaçado com histórias plurais: a anciã, cadeira, o gato lânguido, a celebração invisível dos cupins, o sermão silencioso da vovó e seu terço branco. Todos tecendo um tapeçaria da vida em uma casa esquecida pelo tempo, onde a vida e a aceitação do finito dançavam em harmonia.

No distante horizonte, a ilha de Mayandeua despontava com crescente persistência, adicionando um elemento contínuo à narrativa. Era como um farol de constância em meio às incessantes marés de mudança e decadência da casa e da cadeira. Em seu perene crescimento, a ilha servia de lembrete da tenacidade da vida e da natureza, que, mesmo na face da transitoriedade do homem, permanecem invariáveis.

O espectro de Mayandeua era um lembrete de que a existência é uma tapeçaria rica de vida, espiritualidade, natureza e eternidade. Mesmo frente à decadência das coisas materiais, a eternidade e a constância da natureza permanecem. 

No surgir constante da ilha, havia uma mensagem de continuidade, esperança e renascimento. E assim  a vida seguia naquele ponto esquecido da ilha. 

- No horizonte... Esperanças!




FIM

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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0489


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