* Nº 0306 - O CANTO DO GAVIÃO - SÉRIE: CONTOS FANTÁSTICOS DE MAYANDEUA
Nos espaços do mangue, um grito cortante ecoou pelo ar úmido. Era o gavião, erguendo sua voz feroz em um misto de agressividade e temor. O som reverberava entre as folhas encharcadas, como uma advertência ou talvez um lamento. A avifauna local estava em frenesi, seus movimentos rápidos e nervosos refletindo uma tensão palpável. Pareciam agressivos, mas também carregavam no olhar o peso do medo — a sensação de estarem sob constante ameaça.
Os velhos mangueiros, sábios guardiões através de suas raízes, reuniram-se ao toque de suas essências da lama, formando uma cena de lamento coletivo. Suas raízes mais velhas eram mapas de histórias vividas, e agora expressavam tristeza pelas vidas perdidas. Muitos de seus irmãos alados haviam sido retalhados por um inimigo impiedoso: o homem que não compreendia a diversidade de pensamentos e formas de vida que habitavam aquele santuário natural. As diferenças entre o mundo humano e o mangue pareciam insuperáveis, e a brutalidade com que o homem agia deixava marcas profundas na alma dos mangueiros, como cicatrizes invisíveis que nunca se fechavam.
Enquanto o mangue chorava suas perdas, os berros de outros habitantes alados ressoavam pelos galhos e nos furos, levados pelo vento salgado que sussurrava entre as árvores e se misturava ao murmúrio das águas. Os bicos das garças martelavam a superfície dos furos em um ritmo sincopado, como se fosse um clamor por justiça. Cada mergulho era um desafio ao destino imposto pela crueldade humana, uma tentativa desesperada de reafirmar sua presença naquele território outrora seguro e farto.
Por entre a vegetação encharcada, os olhos amedrontados de um Itaquerê observavam a cena, refletindo a incerteza que pairava sobre todos. Ele recordava os dias em que os manguezais eram um refúgio seguro, um santuário de paz para todas as criaturas aladas. Agora, esse santuário estava ameaçado, e o ar ecoava com os lamentos daqueles que haviam sido silenciados.
No entanto, em meio à tristeza e à ira, uma determinação silenciosa começou a brotar nas raízes dos mangueiros. Eles não se curvariam diante da adversidade; em vez disso, uniriam forças, formando uma aliança de resistência contra a opressão. Gaviões, garças, guarás e outras aves alçaram voo em uma coreografia de solidariedade. Seus gritos, antes carregados de medo, agora ressoavam como hinos de coragem e resiliência.
Enquanto o homem tentava subjugar a diversidade daquele ecossistema, as aves tornavam-se símbolos da força que reside na união e na defesa da própria essência. Seus berros ecoavam pelo mangue, espalhando-se como sementes de esperança pelo vasto território de Mayandeua. O vento, as águas e o ar carregavam esses sons de resistência, transformando-os em mensagens de alerta e inspiração.
Seu canto:
No olhar do gavião, reflexos do passado,
Onde a harmonia reinava, o ecossistema intacto.
Agora o homem avança, cego em sua jornada,
E a natureza chora, sua beleza apagada.
FIM
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Projeto Literário e Musical Primolius Nº 0306