VERDE: CIDADE-EXPECTATIVA Nº 0447 - CRÔNICA
(Carta Semanal - Mayandeua)
Ele via as correntes de águas marcharem por entre os bueiros, como se fossem soldados de uma guerra perdida. As feridas expostas no mundo explorado por tantos o incomodavam, mas ele não podia fazer nada. Ele era um dos poetas feridos na alma, que marchavam junto com os homens comuns, carregando correntes de ferro e ferrugens do coração. Os rios e as marés desaguavam nas cidades, levando consigo a esperança de um mundo melhor. Os arco-íris sombrios nos bueiros maiores eram a única cor que ele via, mas ele sabia que eles não eram reais. Todos passavam, acreditando em seus caminhares, sorridentes e esquecidos do mar lá fora. Presos, aglomeravam-se no vazio de suas almas, sem perceberem que estavam perdendo a vida. Os garis marchavam, limpando a sujeira dos outros. Os cachorros caminhavam, procurando um lar. Outros seres inacabados pisavam na terra, sem respeitá-la. As angustias vazavam nos bueiros modernos, mas ninguém as ouvia.
Ele olhava para o verde que já fora verde, mas que agora era cinza. As bandeiras flamulavam o adeus de outras águas, que nunca mais voltariam. Os asfaltos esbraseiam, soltos cantarolavam à musica solitária, abrasavam os rostos dos que por ali passavam.
Ele andava nas tortuosas trilhas inacabadas, sentindo as águas verdes lavarem os seus pés. Ele secretamente lembrava-se do mar, distante e imenso. Ele sentia a solidão e as expectativas ao peito, sem saber o seu nome. No seu barco de saudade, ele guardava uma bandeira: verde esperança.
FIM
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Projeto Musical e Literário Primolius Nº 0447